Como a bioeconomia pode ajudar a Ilha de Marajó?
Região registra os piores índices de desenvolvimento humano do Brasil e a produção rural está entre as soluções para elevar a renda dos povos e comunidades tradicionais
A Ilha de Marajó, localizada no estado do Pará, na Amazônia, ficou em evidência nas últimas semanas devido à denúncias de exploração sexual infantil na região, que registra os menores índices de desenvolvimento humano (IDH) do Brasil. No entanto, o local tem alto potencial para o fomento da bioeconomia, principalmente a partir das cadeias de produção de açaí, que podem alavancar o desenvolvimento social.
Situação econômica da Ilha de Marajó
A Ilha de Marajó é o maior arquipélago flúvio-marítimo (cercada por rio e mar) do planeta. O conjunto formado por cerca de 2.500 ilhas e ilhotas é banhado pelas águas do Oceano Atlântico e dos rios Amazonas, Tocantins-Araguaia e Pará.
Na extensa área de aproximadamente 106 mil km² há 16 municípios onde vivem cerca de 610 mil pessoas, de acordo com dados de 2022 da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (FAPESPA).
Informações dos censos de 1991, 2000 e 2010 do atlas de desenvolvimento humano do brasil mostram que as cidades do Marajó são destaque negativo na lista dos 5.565 municípios brasileiros com relação ao IDH, que avalia renda, educação e saúde da população.
As cidades de Afuá, Anajás, Bagre, Breves, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho, Gurupá, Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Santa Cruz do Arari e São Sebastião da Boa Vista figuram entre as piores colocações do ranking, sendo que Melgaço está em último lugar na lista, com o pior IDH do Brasil. Apenas os municípios de Salvaterra e Soure ocupam uma posição mediana.
A população local vive, principalmente, em áreas rurais, de alta densidade florestal e que são, em sua grande maioria, assentamentos da reforma agrária do INCRA e do governo do estado do Pará.
“São pessoas que vivem do extrativismo e que tem o açaí como grande responsável pela economia de toda essa região”, explica Fernando Moretti, que atua há 10 anos no local e que é líder do núcleo de crédito socioambiental do Instituto Conexsus.
De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), “a região do Marajó apresenta municípios com alto percentual de pessoas em situação de extrema pobreza e dados críticos no que diz respeito a taxas de violações, infraestrutura de água, esgoto e serviços públicos de saúde”.
Bioeconomia na Ilha de Marajó
Uma das principais atividades econômicas da Ilha de Marajó é a extração do açaí, considerado um produto da sociobiodiversidade porque vem da floresta e é cultivado pela população local. Ou seja, o fruto tem a possibilidade de gerar renda para as pessoas, mantendo a floresta em pé.
“A bioeconomia é muito relevante para o desenvolvendo da região do Marajó porque é uma região densamente florestal, onde esses povos e comunidades tradicionais, em sua grande maioria ribeirinhos, vivem do extrativismo do açaí”, conta Fernando Moretti.
O problema é que para a atividade ser mais rentável e se expandir, uma série de ações são necessárias. A adoção de melhores práticas de cultivo e a liberação de crédito estão entre as principais delas.
Manejo sustentável do açaí
Uma das soluções mais bem sucedidas para a produção de açaí foi desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Com a tecnologia é possível aumentar a produtividade e reduzir os impactos ambientais da extração de açaí, garantindo a sustentabilidade dessa cadeia produtiva. O método concilia a produção de frutos e a conservação das florestas na Amazônia.
Fernando Moretti explica a importância da técnica para aumento da produtividade. “Com manejos de menor impacto, com preservação do ecossistema local, a produção do açaí saltaria de 1 para 5 toneladas. Isso tem um impacto muito grande, pois esse manejo aumenta a produtividade”, comentou.
Aumentar a produtividade significa elevar a renda das comunidades. Mas, a adoção de melhores técnicas de cultivo depende do acesso a esses conhecimentos e de investimentos.
Crédito e assistência técnica na Ilha de Marajó
A assistência técnica e o crédito rural ainda representam um grande desafio na Ilha de Marajó.
“Menos de 3% do Pronaf (principal linha de financiamento para agricultura familiar do Brasil) hoje chega a essas pessoas. Estamos falando de um público muito grande, que não têm acesso ao crédito rural. São vários fatores que impedem esse acesso, como a própria distância do centros urbanos e das atividades bancárias; além da falta de alguns documentos como o cadastro ambiental rural (CAR) e o próprio cadastro do agricultor familiar (CAF)”, explica Moretti.
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O acesso ao crédito aliado a adoção de melhores práticas de manejo tem alto potencial para aumentar a renda dos povos do Marajó. “O incentivo, aliado à educação financeira, ajuda as famílias a aumentar a área manejada, a comprar equipamentos e melhorar a produção de modo sustentável, o que impacta no incremento de renda familiar de até 40%”, afirmou Fernando Moretti.
O equilíbrio entre atividades econômicas e conservação ambiental é essencial para garantir o bem-estar das comunidades locais e a preservação da rica biodiversidade da ilha. A bioeconomia emerge como uma força motriz para o progresso de Marajó, promovendo o uso sustentável dos recursos naturais e o desenvolvimento socioeconômico da região.
*Por Michelle Jardim e Yahell Bonfim