Entraves para investimentos serão superados com cooperação
Brasil deve protagonizar sua narrativa para captar recursos e financiar iniciativas sustentáveis
Dados da última pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) revelaram que a preferência por investimentos em negócios sustentáveis tem crescido. A categoria de investimentos sustentáveis cresceu 29% em junho de 2023, se comparado com o mesmo período de 2019, e os investimentos nesse período ultrapassaram R$ 543,4 milhões.
O agronegócio não fica fora dessa realidade. E como as empresas podem captar e alavancar cada vez mais recursos para financiar projetos sustentáveis? A quarta edição do Fórum Planeta Campo, que aconteceu nesta quarta-feira (30/10), em São Paulo (SP), convidou representantes dessa cadeia para debater o assunto.
Com uma série de iniciativas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o diretor Financeiro e de Mercado de Capitais da instituição, Alexandre Correa Abreu, colocou em perspectiva a necessida de destravar o financiamento climático para a agropecuária. O diretor destacou que o Brasil, reduzindo o desmatamento ou aumentando a restauração de áreas degradadas, consegue reduzir consideravelmente as emissões de gases de efeito estufa (CO2, principalmente).
Por isso, o BNDES tem uma série de projetos nesta frente, como o Fundo Clima, o MAP Biomas, o Fundo Amazônia e o lançamento mais recente, o BNDES Florestas Crédito, que oferece condições especiais de crédito e garantias para empresas investirem em reflorestamento e manejo florestal, entre outras ações de recuperação e preservação da vegetação nativa.
Na visão de Abreu, “é muito importante que as pessoas que preservam florestas conquistem recursos e ganhem lucros com isso. A expectativa é que outros agentes financeiros, nacionais e internacionais, criem outras linhas de financiamentos e que isso se transforme em algo corriqueiro”.
Trazendo a visão dos investidores, a superintendente de Orientação aos Investidores e Finanças Sustentáveis da Comissão de Valores Monetários (CVM), Nathalie Vidual, destacou a importância de criar um ambiente de segurança para a alocação de recursos em projetos de impacto socioambientais. “O mercado de capitais é o mecanismo alternativo para captação de recursos, e tem o benefício de conectar os investidores diretamente às empresas”, afirmou.
Para Nathalie, é necessário olhar para fatores climáticos não só sob a perspectiva de risco,
mas sim, integrar os aspectos sociais, ambientais e climáticos para criar oportunidades de negócio e de competição. “Porém, para isso acontecer, as empresas precisam atender requisitos informacionais dos investidores”, pontuou, destacando o que chamou de “informação completa, neutra e livre de erros” nos relatórios institucionais, que precisam contar, principalmente, com materialidade de dados.
Cooperativismo desponta com crédito verde
Primeira instituição financeira do brasil, o Sicredi iniciou suas atividades em 1902 e, atualmente, é o segundo maior financiador de crédito rural do país. Segundo o superintendente de agronegócio do Sicredi, Thiago Rossoni, o associado que deseja trabalhar na recuperação de áreas degradadas conta com uma linha de crédito exclusiva para o tema. “Entendemos que o clima não pode ser algo acessório, tem que estar no centro da nossa estratégia”.
Rossoni também pontuou que em 2022, a instituição emitiu a primeira Letra Financeira Pública Sustentável do Brasil. Com captação de R$ 780 milhões, os recursos são convertidos em crédito para projetos alinhados à sustentabilidade. “O nosso associado quer diversificar a questão do carbono com as finanças. Ele precisa ver um ganho financeiro”, afirmou.
Brasil precisa protagonizar narrativa
Diretor do Instituto de Estudos do Agronegócio da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), Eduardo Bastos promoveu sua perspectiva com experiências fora do país. “Em viagem, escutei: ‘o Brasil precisa nos ajudar em 3 crises: a alimentar, a energética e a climática”.
O diretor reforçou que é possível dobrar a capacidade nacional de produção de alimentos, além de ser fornecedor de energia renovável e reduzir as emissões de carbono com a recuperação de áreas degradadas. Porém, é necessário que o Brasil se torne protagonista da própria história e mostre para o mundo esse potencial. “Somos uma potência agroambiental. Se posso pedir algo aqui, é: não se envergonhem. É isso que o mundo enxerga do Brasil: um país que pode alimentar e proteger o meio-ambiente como nenhum outro”, finalizou.
Diretamente dos Estados Unidos, o professor de Direito e Ciências Sociais da Universidade Columbia, Charles Sabel, explorou os aspectos da lei anti-desmatamento da União Europeia, cujo o vigor foi adiado para final de 2025, no caso das grandes empresas, e junho de 2026, em relação às micro e pequenas empresas.
Sabel promoveu uma visão crítica sobre a postura do Brasil perante a lei. Com um paralelo à produção de aço, o professor explicou as demandas de outros países que estão lidando com entraves parecidos. “O aço, na sua forma convencional, é produzido de forma muito poluente. Porém, o custo de produzi-lo de forma mais sustentável é muito maior. Então, os países querem segurança e incentivos para proteger sua produção”.
Da mesma forma, segundo Sabel, o Brasil deve se posicionar sobre sua produção de soja. “Não existe uma forma única de produzir ‘aço verde’, assim como não existe uma forma correta para produzir a soja em todo o mundo. É necessária uma definição sobre o que são commodities verdes, que levam em conta a restauração de terras degradadas”, explicou.