Agronegócio ainda tem poucas mulheres no campo

Em pesquisa realizada pelo Instituto Federal Goiano identificou-se, por exemplo, que 77% do total de egressos desempregados no agronegócio em Goiás é mulher

Agronegócio ainda tem poucas mulheres no campo

Pesquisa realizada por docente do Instituto Federal Goiano (IF Goiano) mostra que, assim como em outros setores e profissões, há forte desigualdade entre homens e mulheres na inserção profissional no Agronegócio.

O estudo é fruto de tese de doutorado defendida no mês passado e, apesar do recorte de gênero, demonstra um minuncioso perfil dos egressos das áreas de Ciências Agrárias e Tecnologia em Agronegócio do Estado de Goiás.

A pesquisa foi realizada de agosto de 2021 a janeiro de 2022 com estudantes formados no período de 2013 e 2020 em todas as instituições de ensino superior público goianas (Universidade Federal de Goiás, Universidade Federal de Jataí, Universidade Estadual de Goiás e Instituto Federal Goiano). A amostra, de 600 respondentes, permite que os resultados representem toda a população do Estado.

Entre os diversos dados coletados, identificou-se, por exemplo, que 77% do total de egressos desempregados é mulher. Elas têm maior dificuldade de atuar na área de formação e ascender profissionalmente, sendo minoria entre os que ocupam cargos de gestão. Além disso, a renda média das mulheres é menos que a metade da masculina, mesmo que elas possuam escolaridade mais elevada.

O estudo mostra, também, que 80% das egressas das instituições pesquisadas possuem renda de até 4 salários mínimos e, no caso das mulheres pretas, ela é ainda menor.

Essa desigualdade de renda ocorre justamente pela dificuldade de ascensão profissional, mas mesmo desempenhando a mesma atividade que os homens, a renda das mulheres é menor.

Para a responsável pela pesquisa, Cássia da Silva Castro Arantes, diante deste cenário, a inserção profissional da egressa de Ciências Agrárias/Agronegócio no serviço público acaba sendo um caminho para fugir das desigualdades. Essa escolha permite às mulheres atuar na área de formação, obter renda e ascensão profissional. Neste espaço, conforme o estudo, as egressas são maioria em relação aos homens.

“Em suma, a inserção da mulher no Agronegócio é precária e mostrar esses dados no mês da Mulher traz uma importante reflexão sobre equidade de gênero no mundo do trabalho. Essas discussões não podem ser deixadas de lado sob o risco de naturalização de um problema tão sério”, considera a pesquisadora.

Já segundo Caio Magri, colunista, a equidade de gênero auxiliaria não só na inserção de mais mulheres no agro mas também para um desenvolvimento mais diversificado e sustentável do setor.

“Atualmente apenas 9% das mulheres presentes em empresas do agronegócio estão ocupando cargos de liderança. O agronegócio só ocupa a 19° posição entre os que mais empregam mulheres no Brasil. Dá para fazer muito mais que isso. As mulheres são mais de 50% da população brasileira, devia ser mais equilibrado esse número.”, destaca.

Ainda de acordo com ele a questão do machismo é muito presente no setor, pois mesmo com qualificação melhor e com mais competências, as empresas acabam por escolher homens para o cargo.

“Precisamos fazer uma mudança agora nessa questão, é algo extremamente urgente. Precisamos tomar medidas para combater essa questão. Uma dessas é a questão de criação de desenvolvimento profissional específico para mulheres, oferta para o desenvolvimento de cargos de liderança e a implementação de políticas de equidade de salário. Não são só as mulheres que crescem com isso e sim todo o setor”, finaliza.

 

Machismo estrutural

A técnica administrativa do IF Goiano Kennia Barbosa Machado, zootecnista por formação, vivenciou na carreira profissional situações exatamente demonstradas na pesquisa de Cássia.

“O atendimento nas fazendas não é fácil para a mulher, além do risco de assédio, por conta do machismo estrutural, ela precisa transmitir o conhecimento com muita segurança para ser ouvida”, revela.

Após a faculdade, Kennia encontrou dificuldades para conseguir emprego por não ter experiência. Mas depois de adquiri-la e, ainda, capacitar-se academicamente – a profissional é mestra em Agronegócios -, o mercado já não quis pagar aquilo que lhe parecia justo. A saída foi estudar para concurso público e hoje ela é Tecnóloga em Agronegócio do IF Goiano e atua na Reitoria, em Goiânia.

Assim como Kennia, a egressa do curso de Zootecnia do Campus Morrinhos Rayssa Silveira Costa conta que não foi fácil conseguir emprego e o fato de ser bonita e gostar de se cuidar também foram fatores que, no início, influenciaram na carreira.

“Se somos educadas, as pessoas tendem a levar para outro lado”, explica. Apesar disso, a profissional acredita que, aos poucos, as mulheres estão conquistando mais espaço no mundo do agronegócio. “Devemos enxergar quem somos e o que queremos sem deixar que homens ou mulheres nos diminuam ou menosprezem”, ensina.

Perfil geral

Apesar do recorte de gênero que aponta para as desigualdades, o estudo de Cássia traz diversos outros dados importantes para o setor. A pesquisa mostra que a maioria dos profissionais egressos está inserida no mercado – e, desses, 30% atuam em cargos de gestão e comercialização de insumos/implementos/commodities – o que mostra uma tendência de contratações para estas atividades.

Somente 4% está empreendendo na área, ao mesmo tempo, as atividades ligadas ao empreendedorismo estão entre as que melhor remuneram. Ou seja, o empreendedorismo é um nicho que se abre para esses profissionais propiciando oportunidades de aplicar os conhecimentos e habilidades possuídos e ao mesmo tempo obter maior renda.

Outro dado interessante, por fim, é que 40% dos egressos são filhos de produtores rurais, em sua maioria de pequenos proprietários. Desse número, 19% já realizaram a sucessão geracional, assumindo a propriedade da família definitivamente. Mas essa sucessão ocorre na maioria dos casos em paralelo ao desenvolvimento de outras atividades profissionais. Assim, estar inserido no mercado não concorre com a sucessão, pelo contrário, influencia positivamente que ela ocorra.

Caio Magri
Caio Magri é graduado em Sociologia pela USP, foi gerente de políticas públicas da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, além de coordenador do Programa de Políticas Públicas para a Juventude da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto (SP). Sob a coordenação de Oded Grajew, integrou a equipe da Assessoria Especial do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Atualmente é presidente do Instituto Ethos e participa como membro dos seguintes conselhos: Transparência Pública e Combate à Corrupção (CGU); Pró-Ética (CGU); Agro + (MAPA); Infra + (MInfra); Rede Nossa São Paulo; Instituto de Apoio a Crianças e Adolescentes com Doenças Renais (ICRIM); Associação São Agostinho (ASA); Instituto Brasileiro de Autorregulação no Setor de Infraestrutura (IBRIC); Instituto Ética e Saúde; e Fundo JBS Amazônia.