Biochar ou “esponja de carbono” é solução estratégica de sustentabilidade para agricultura
O biochar é um material muito poroso que ajuda na retenção de água e nutrientes nas terras agrícolas
Em novembro de 2022, chegamos a 8 bilhões de pessoas vivendo na Terra. Embora esse número possa parecer muito abstrato, tem uma consequência muito concreta na economia: estaremos consumindo mais, tanto mais que os países em desenvolvimento veem seu padrão de vida aumentar. Em outras palavras, precisaremos produzir mais. Como podemos fazer isso e, ao mesmo tempo, combater as mudanças climáticas e atingir emissões líquidas zero até 2050, segundo o objetivo do Acordo de Paris?
Esse quebra-cabeça é particularmente verdadeiro quando se trata da produção de alimentos. Atualmente, a agricultura é muito dependente de fertilizantes sintéticos. Esses produtos garantem a alta produtividade das plantações, permitindo aproximadamente o dobro do rendimento normal que obteríamos sem nenhum insumo. No entanto, esses insumos também são extremamente poluentes, tanto na fase de fabricação quanto na de uso.
Para produtos bem conhecidos do nosso dia a dia, como o café, os fertilizantes contribuem com cerca de três quartos da pegada de carbono total a nível do campo, sem falar de outros impactos negativos (perda de biodiversidade, poluição da água etc.). Por isso, os consumidores estão pedindo, com razão, cada vez mais produtos mais amigáveis do ambiente. Assim, parece haver um problema insolúvel entre volume (alta produção, necessária) e qualidade (baixo teor de carbono, tão necessário).
Como uma das maiores potências agrícolas do mundo, o Brasil enfrenta esse paradoxo. Ainda mais desde a guerra da Ucrânia, que aumentou significativamente os custos dos fertilizantes, quase todos importados do Exterior. Portanto, ter uma solução sustentável e produzida localmente seria muito estratégico. Afortunadamente, tal solução existe: se chama biochar.
O que é um biochar?
Foto: NetZero
O biochar é um produto sólido que se assemelha a partículas de carvão. É obtido extraindo o carbono contido nos resíduos vegetais por meio da pirólise, um processo de aquecimento à alta temperatura na ausência de oxigênio. Enquanto condicionador do solo, o biochar é um material muito poroso que atua como uma “esponja de carbono”, ajudando na retenção de água e nutrientes nas terras agrícolas.
Além disso, contribui para a remoção de carbono da atmosfera, enquanto estabiliza de forma duradoura o carbono inicialmente capturado pelas plantas na atmosfera durante a fotossíntese. Este carbono estável é colocado no solo uma única vez para armazená-lo longe da atmosfera, e ao fazê-lo também melhora a fertilidade do solo. Ambos os benefícios foram reconhecidos extensivamente e são validados, por exemplo, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), pela Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) e pela Embrapa.
Nas últimas décadas, milhares de pesquisas têm apontado o potencial do biochar na agricultura e no combate ao aquecimento climático, uma vez que evita emissões e ainda mantém o CO2 no solo por centenas de anos. Embora o biochar seja utilizado há vários anos em países como Estados Unidos, China e Alemanha, no Brasil a produção em larga escala começou apenas este ano.
Estudos científicos mostraram que, usando biochar na cultura do café, por exemplo, é possível reduzir em 33% a aplicação dos fertilizantes e, ainda assim, aumentar em 14% a produtividade média. Esse movimento conjunto pode diminuir em cerca de 40% as emissões de CO2 por quilo do grão, o que representa uma considerável mitigação de dano ambiental mantendo uma alta produtividade. E o café não é a única cultura em que o biochar funciona: ele pode ser produzido e utilizado com outras produções, caso da cana-de-açúcar, coco, açaí e muitas mais.
Assim, o biochar representa uma oportunidade econômica e ambiental imensa para o país. De um lado, o Brasil tem uma grande quantidade de biomassa sem nenhum plano de valorização e, por outro, muito conhecimento industrial, forte mentalidade de inovação na agricultura e uma maior conscientização sobre mudanças climáticas e práticas sustentáveis.
Ou seja, todos os ingredientes necessários para o Brasil ser pioneiro do biochar em larga escala na América Latina. Além disso, o uso do biochar promove impacto social positivo, especialmente com o aumento da renda dos agricultores (graças ao aumento da produtividade) e a criação de empregos industriais sustentáveis e bem remunerados nas áreas rurais.
O que falta, ainda, é ação. É preciso compreender o potencial do biochar para o país, reconhecê-lo como uma grande oportunidade e tornar possível que o biochar – que foi inventado justamente nesta terra, com base em antigas práticas agrícolas indígenas na Amazônia – se espalhe em escala global, com o apoio de fazendeiros, empresas, governos, pesquisadores e toda a sociedade civil. Produção de biochar em escala é sinônimo de desenvolvimento e de um planeta mais sustentável: façamos isso no Brasil!
Por Olivier Reinaud, cofundador e diretor-geral da NetZero, startup francesa com atuação no Brasil que tem como missão trazer escala para o biochar, uma das poucas soluções agrícolas que permitem conciliar produtividade e sustentabilidade, bem como uma das poucas soluções climáticas que podem remover duradouramente o carbono da atmosfera.