Embarcar ou não?
O artigo escrito por Coriolano Xavier, membro do CCAS (Conselho Científico Agro Sustentável) demosntra avanços sustentáveis do agro nos últimos tempos
As mudanças no mundo contemporâneo são tantas, às vezes, que se perde um pouco a visão do todo e o sentido estratégico que as transformações estão apontando. Parece que o agro vive um desses momentos. É só espiar alguns fatos divulgados nos últimos meses.
Produtores do Nordeste devem começar neste ano a multiplicar a planta agave (matéria-prima da tequila), que por aqui está sendo olhada por seu potencial na produção de biocombustível.
Uma das gigantes do setor petrolífero (Shell) já teria investido cerca de R$ 30 milhões para testar, com a Unicamp, a performance da planta nas condições regionais de clima e solo, bem como na geração de combustível. Se a ideia evoluir, abre portas para avanços socioeconômicos na região, e já sob uma perspectiva de cadeia produtiva integrada.
No Paraná, em março, foi inaugurado enorme Núcleo Genético de Suínos, com biossegurança absoluta e sustentabilidade de ponta a ponta do processo produtivo, capaz de produzir mais de 100.000 animais/ano. Instalado em Paranavaí, é um dos mais avançados polos de inovação genética do mundo, o maior da América Latina, e está integrado a uma rede mundial de granjas elite de melhoramento genético.
O que eleva o Brasil à condição de exportador de genética suína, colocando o país no mapa global da excelência genética desse setor.
Durante a COP 27, no Egito, recentemente, a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira concluiu acordo com as autoridades alfandegárias daquele país, prevendo a redução de 85% no tempo gasto para despacho dos documentos de cargas enviadas para lá. Queda de 21 para 3 dias no tempo do processo, viabilizada pela plataforma Easy Trade, criada pela própria Câmara. Fim de teias burocráticas, ganho de eficiência alfandegária e a tendência dessa expertise se multiplicar.
Pela mesma época, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) elegeu para sua presidência o brasileiro Ilan Goldfajn, ex-presidente do nosso Banco Central. Comentando as prioridades de sua gestão, neste ano, Goldfajn mencionou: questão do clima; ampliação de infraestrutura; apoio aos mais vulneráveis; e Amazônia.
Visão alinhada aos pilares da gestão ESG, de ênfase em fatores sociais, ambientais e de governança. Sinal de que os ventos dos investimentos internacionais estão soprando, cada vez mais, nessa direção.
Segundo o Ministério das Comunicações, pelo final de 2022 só 24% da população tinha acesso ao 5G, principalmente nas capitais. Mas esta realidade vem mudando aos saltos e vai sacudir o agro: velocidade de conexão dez vezes maior, agilizando a transmissão de dados, o uso de inteligência artificial e de plataformas para predição de riscos sanitários ou nutricionais nos cultivos. Tradução: maior rapidez e apuro da informação, com melhoria dos sistemas e da comunicação, aguçando a gestão tecnológica e de negócios do setor.
Em abril começou o Programa AgroCapitais, para fomentar informações sobre o potencial do mercado de capitais para a agropecuária. Levar ao empreendedor rural conhecimento sobre o uso dos principais instrumentos e ferramentas desse mercado e seu papel como alternativa de financiamento de capital para alavancar negócios. Goiás foi o Estado do primeiro evento e a iniciativa é do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA), com apoio da CVM/IPA/B³.
De olho no aumento da demanda de produtos mais sustentáveis e, também, em suas próprias metas de redução de emissões de CO², a Bunge está apoiando um grupo de produtores (grãos) a mudar seus sistemas de produção para modelos de agricultura regenerativa. Já nessa fase-piloto, no Cerrado, entram na operação uma consultoria tecnológica e uma agfintech, ambas ligadas à multinacional. Como a empresa conta com 12 mil produtores em sua cadeia, é de se esperar transformações tecnológicas relevantes, caso a iniciativa ganhe escala, rapidamente.
O gigante chinês de comércio digital global, Alibaba, revelou planos de replicar sua plataforma Taobao Villages no Brasil, acessando a pequenos produtores e cooperativas a tecnologia para oferecerem seus produtos no e-commerce da China. Vender diretamente para o consumidor chinês, obtendo renda com essas transações. A ideia inclui capacitar produtores em técnicas de marketing digital e exportação. Olhando pela perspectiva de acelerar a inclusão de pequenos produtores ao mercado, é uma proposta que faz a gente pensar.
O ponto comum desses fatos é que em boa medida são estruturantes. Mexem com a natureza, as relações produtivas, a estrutura tecnológica e de capital de diferentes cadeias. Na história, há momentos em que uma convergência de forças muda os cenários e o rumo das atividades humanas. Modernamente, essas forças têm estado associadas à ciência e tecnologia. É o que pode estar acontecendo no agro. Embarcar ou ficar no ainda considerado porto seguro?
O presente artigo foi escrito por Coriolano Xavier, membro do CCAS (Conselho Científico Agro Sustentável)