Melhoramento genético de soja convencional gera novas variedades
A soja é uma das principais commodities brasileiras
Nos últimos anos, a procura pela soja não transgênica tem crescido no Brasil. Isso reforçou a necessidade de mais estudos sobre a planta em instituições de pesquisa e deu origem a empresas como a Santa Soja, associada à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), e à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
A startup, apoiada pelo programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, desenvolve novas cultivares com o intuito de oferecer ao produtor de soja opções com alto valor agregado. Cultivares são variedades de plantas de diferentes espécies vegetais que se destinam à produção agrícola e resultam de programas de melhoramento vegetal.
Para obtê-las, os especialistas estudam a herança das principais características de interesse agronômico para que novas combinações e seleção assistida possam ser realizadas.
Os pesquisadores da Santa Soja identificaram uma demanda por cultivares de soja convencionais ao constatar que as disponíveis no mercado são antigas ou regionalizadas, não têm produtividade competitiva e há pouco interesse das empresas em seguir nesse segmento.
No processo, os pesquisadores selecionam as características especiais desejadas, como maior teor de ácido oleico no óleo de soja, maior tolerância ao complexo de percevejo, maior tolerância à ferrugem asiática da soja ou maior índice proteico no grão. Depois, a empresa poderá oferecer cultivares de soja com esses caracteres especiais aos agricultores.
Um dos principais diferenciais do produto é o uso de ferramentas moleculares e de estatística para uso de marcadores de DNA. “Essa abordagem ajuda a acelerar o processo de melhoramento genético”, explica a engenheira agrônoma Regina Helena Priolli, pesquisadora e sócia-proprietária da Santa Soja. “Além disso, o produto é ecologicamente correto e a tecnologia pode ser associada a outras inovações e manejo da cultura”, afirma.
Mudança cultural na produção da soja
No Brasil, boa parte dos produtores cultiva a opção transgênica e reluta em trocá-la pela convencional — até por medo de perder produtividade.
“Quando perguntamos se eles adotariam essa alternativa se ela fosse igualmente produtiva, eles falam que sim, desde que seja tão produtiva quanto a transgênica e o preço de venda for bom”, diz Priolli.
O cultivo de soja transgênica, contudo, pode acarretar riscos e consequências ambientais se não for realizado corretamente — evitando, por exemplo, o uso de áreas de refúgio. Nessas plantações, há a incidência cada vez maior de plantas daninhas resistentes. Isso leva à necessidade de aumentar a dosagem de químicos para combater esses agentes nocivos e, paralelamente, muitas implicações para o meio ambiente.
A soja não transgênica não tem esse aspecto, mas para que o agricultor a escolha, ele precisa perceber um custo-benefício alto.
“Ele não vai trocar o certo pelo duvidoso”, pondera José Baldin Pinheiro, engenheiro-agrônomo e chefe do Departamento de Genética da Esalq-USP. Isso porque o manejo é muito mais fácil para o agricultor.
“Ele tem mais conveniência no sistema de produção.”
O produtor está sempre em busca de um sistema que garanta lucros maiores mesmo com uma produção menor. “Ele avalia que a soja transgênica é mais produtiva e tem manejo mais fácil”, explica Pinheiro. “Só que hoje já há consumidores em busca de produtos mais sustentáveis e eles estão dispostos a pagar mais caro por isso.”
Para o pesquisador, com a mudança comportamental e as exigências do mercado externo, que prefere produtos não transgênicos, o conceito é promissor.
“Ainda temos de vencer alguns obstáculos, mas essa tecnologia certamente tem muito a contribuir”, avalia.
Outras possibilidades
O nicho de sementes não transgênicas melhoradas não é o único possível para o projeto. A Santa Soja pode atuar, ainda, como banco de germoplasma — unidade conservadora de material genético de uso imediato ou com potencial de uso futuro. Esse material é essencial para as empresas que querem se beneficiar de linhagens superiores com traits nativos para incorporação dos eventos transgênicos.
Os traits nativos são genes que, mesmo não tendo sido introduzidos por transgenia, oferecem resistência a doenças ou insetos, ou mesmo alto teor de óleo, por exemplo. “É possível licenciá-los para grandes companhias que reduziram seus programas de melhoramento convencional, mas buscam material de qualidade”, avalia Pinheiro.
O protocolo pode ser usado, ainda, para outros grãos. “A startup está crescendo. Já vamos usar esse protocolo de melhoramento molecular no mercado de feijão-fava [em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Piauí (UFPI)], e logo vamos incluir grão-de-bico e amendoim”, afirma Priolli. “Até o nome da empresa vai passar de Santa Soja para Santa Semente.”
Esses alimentos são chamados de pulses — um grupo composto por leguminosas consumidas secas, como feijão comum, feijão-fradinho ou caupi, ou ainda feijão-de-corda, ervilha, lentilha e grão-de-bico. No Brasil, os pulses mais consumidos são os feijões. “Os pulses têm essa pegada de governança, de preocupação com o meio ambiente e fonte alternativa de proteína”, diz Priolli.
Para o consumidor, os benefícios são claros. “A ideia é obter produtos de maior valor proteico para consumo humano”, afirma a pesquisadora. “Eu diria que, no caso dos pulses, a contribuição é ainda maior, porque são plantas órfãs”, completa Pinheiro. “Hoje não há variedades de feijão-fava lançadas no Brasil. Pequenos agricultores pegam variedades crioulas e as produzem. Esperamos, em breve, ter as primeiras variedades de feijão-fava lançadas no país.”
Com isso, organiza-se a cadeia e passa-se a garantir respaldo ao pequeno agricultor. “O grão-de-bico, por exemplo, tem poucas cultivares no Brasil. Não devem ser nem dez registradas, enquanto a soja tem mais de 500 hoje no país”, descreve Pinheiro. “Para amendoim, apenas duas instituições públicas atuam ativamente nessa cultura.”
O produto da empresa é a semente — aquela que é vendida para o produtor. O melhoramento genético realizado nela vai permitir obter essas plantas especiais. “Acreditamos que em cinco anos mais ou menos consigamos chegar a um valor bom de manutenção da startup, a partir das cultivares que vamos lançar até o fim deste ano”, estima Priolli.
Como a Santa Soja atua diretamente nas sementes, produtores de diferentes portes podem ter acesso ao produto. “A tecnologia está na semente.
O agricultor não paga a mais por isso, porque a semente já tem toda a informação agregada”, lembra Pinheiro.
“O crescimento da startup mostra que as tecnologias e as abordagens propostas fortalecem novos mercados.”
Por Agência Fapesp