Mudanças climáticas trazem ameaça à segurança alimentar e agricultura mundial
Apesar dos desafios, o professor Aldo Cerri, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz em Piracicaba (Esalq), acredita que a agricultura pode ser uma aliada no combate ao aquecimento global, apontado como um dos principais fatores das mudanças climáticas
O setor agrícola enfrenta muitos desafios em função das mudanças climáticas globais, impactando negativamente as práticas de plantio em todas as regiões do mundo. Esse cenário afeta diretamente a economia mundial e a segurança alimentar.
O impacto na produção de alimentos já começa no processo de plantio das sementes. Até pouco tempo, os agricultores confiavam somente em técnicas consolidadas e extensivamente estudadas, ajustadas aos padrões climáticos historicamente esperados para determinadas épocas do ano. Contudo, a imprevisibilidade climática recente tem alterado drasticamente esses cenários e comprometendo os cultivos.
A seca prolongada, por exemplo, resulta na inviabilidade das sementes, incapazes de germinar devido à escassez de água. Em contrapartida, o excesso de chuvas também se revela prejudicial, levando à morte das plantas devido à grande quantidade de água.
“Com a seca prolongada, as sementes tornam-se inviáveis, incapazes de germinar por falta de água. Em outros casos, com chuvas excessivas, as plantas sucumbem devido ao acúmulo de água no solo, causando a saída de oxigênio e privando as plantas das condições essenciais para a sobrevivência”, afirma o professor Aldo Cerri, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz em Piracicaba (Esalq).
Nos últimos anos, com esse cenário marcado por eventos climáticos extremos como geadas, períodos de seca e excesso de chuva, ocorrendo de forma desordenada e fora das safras habituais, vem se desencadeado uma preocupante degradação do solo, forçando os agricultores a redesenharem suas estratégias de plantio. Áreas que antes eram tradicionalmente dedicadas à agricultura estão sendo abandonadas, enquanto outras, previamente não tão propícias, demandam adaptações.
Essa realocação de cultivos acarreta prejuízos significativos na produtividade e, também, na qualidade das sementes e, consequentemente, na safra de alimentos.
“O aumento das temperaturas globais tem provocado mudanças fisiológicas nas plantas, afetando suas características fotossintéticas. Embora o inicial aumento da concentração de CO2 na atmosfera possa estimular a fotossíntese, o crescimento exacerbado desse fenômeno está causando perturbações nas plantas de ciclos fotossintéticos C3, que são mais sensíveis a essas variações”, explica Cerri.
O professor alerta que “esse fenômeno tem um impacto direto na qualidade dos alimentos produzidos e, consequentemente, na segurança alimentar”.
Para o professor Cerri, entretanto, a agricultura pode ser uma aliada no combate ao aquecimento global, apontado como um dos principais fatores das mudanças climáticas. Cerri afirma que, se essa agricultura for praticada de forma correta, pode ajudar a desacelerar o processo do aquecimento global.
“O sequestro do carbono pode ser intermediado naturalmente pelas plantas, por meio da fotossíntese.” E vai além:
“A planta serve de alimento para animais, para as pessoas, para o biocombustível e, quando o carbono do tecido vegetal sofre decomposição por microrganismos no solo e se estabiliza, pode ficar ali por séculos.”
Adaptação aos novos ambientes
O estudo Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira, colaboração entre Unicamp e Embrapa, com apoio da Embaixada do Reino Unido, prevê, para um futuro próximo, que a degradação do solo deve obrigar a realocação dos plantios de alguns alimentos tradicionais em determinadas regiões.
A mandioca, tradicionalmente cultivada no Nordeste, e o café, ícone cultural e econômico do Sudeste, por exemplo, devem encontrar um ambiente mais propício ao Sul do País. Essa mudança geográfica prevista, impulsionada pelas alterações climáticas, levanta questionamentos sobre a adaptação das sementes a essas novas condições.
No entanto, a expectativa dos pesquisadores é sobre o tempo necessário para que as sementes dessas plantas se ajustem às características específicas do solo em suas novas moradas. Especialistas alertam que esse período de transição dependerá de uma complexa interação de fatores, incluindo as condições químicas, físicas e biológicas do solo de destino. A espera por respostas ganha importância diante do desafio iminente de garantir a segurança alimentar em meio a um cenário agrícola em constante transformação.
Além do solo, as próprias sementes terão que se adaptar ao novo local, lembra o professor Cerri.
“Esse tempo varia demais, tem plantas que são mais sensíveis, como as plantas de folhas largas, que tecnicamente incluímos como plantas de ciclo fotossintético C3, como soja, feijão, algodão, trigo, arroz e café, e têm plantas um pouco mais adaptáveis às situações, que são a C4, cana-de-açúcar e milho, por exemplo. Então, essa adaptação também vai depender do tipo de planta”.
Consequências econômicas
Além de prejudicar a produção agrícola, as mudanças climáticas impactam diretamente os preços dos alimentos. O aumento nos custos de produção e as oscilações na oferta resultam em efeitos significativos na economia.
O professor Luciano Nakabashi, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, destaca que as alterações climáticas levam a uma maior instabilidade na oferta de alimentos, o que, por sua vez, influencia nos preços.
“Essa volatilidade crescente pode resultar em períodos mais significativos de quebras de safra.”
Nakabashi também alerta que essa instabilidade na oferta, com baixa produção de alimentos, pode levar ao aumento da fome global.
“Isso pode resultar em momentos em que a escassez de alimentos leva a um aumento da fome, representando um desafio adicional no cenário mundial.”
Por Jornal da USP