
A edição do Diário da COP desta sexta-feira (14) mostrou que a COP30, realizada em Belém, marca um momento histórico para o agro brasileiro. Pela primeira vez, a agricultura tropical ganhou espaço de destaque dentro da conferência, com a criação da AgriZone, vitrine de tecnologias sustentáveis liderada pela Embrapa. Paralelamente, especialistas também analisaram o papel da Amazônia, as negociações climáticas e o avanço do Plano Clima, que definirá o caminho do país até 2035.
A presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, explicou que a AgriZone nasceu há um ano e meio, quando a instituição viu na COP30 uma oportunidade para apresentar ao mundo as tecnologias desenvolvidas ao longo de 50 anos. O espaço reúne mais de 50 soluções, incluindo integração lavoura-pecuária-floresta, cultivares biofortificadas, sistemas agroflorestais, restauração florestal, punks, manejo de quintal e tecnologias de baixo carbono para grãos, pecuária, café e frutas. “A agricultura brasileira é baseada em ciência, e a COP era o momento de mostrar isso ao mundo”, afirmou.
Silvia destacou também a assinatura da Aliança de Baixo Carbono, parceria entre Embrapa, FGV e Esalq para padronizar métricas e indicadores de sustentabilidade, permitindo que o Brasil tenha autonomia nas metodologias usadas para medir carbono na agricultura. A pesquisadora da FGV Agro Camila Estevam reforçou esse ponto ao apresentar estudo sobre descarbonização da pecuária.
Segundo ela, se mantidas as tendências atuais de intensificação, recuperação de pastagens e genética, a pecuária pode reduzir 60% das emissões até 2050; com tecnologias adicionais, como aditivos e abate precoce, a redução pode superar 80%, chegando a 92% quando analisada a intensidade por quilo de carcaça. “A pecuária é parte da solução climática”, afirmou.
Na sequência, o engenheiro agrônomo André Guimarães avaliou positivamente o andamento das negociações da COP30. Ele lembrou que a conferência começou em clima construtivo após a cúpula de líderes convocada pelo Brasil e destacou que a agenda oficial foi aprovada logo no primeiro dia, algo raro em conferências anteriores. Para ele, a realização da COP em Belém consolidou o protagonismo brasileiro: “O mundo precisa do Brasil. Não há como cumprir o Acordo de Paris sem a integridade da Amazônia.”
André explicou que a floresta é essencial para estabilizar o clima global e garantir a segurança alimentar, por irrigar cerca de 90% da produção agropecuária brasileira. No entanto, ressaltou que a conservação não pode ser arcada apenas pelo Brasil: “É preciso remunerar quem preserva, do indígena ao produtor rural.” Ele também chamou atenção para desafios urgentes da região, como a regularização fundiária, que afeta grande parte das propriedades, e os 55 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas, onde se concentra quase metade do desmatamento ilegal. Citou ainda casos em que assistência técnica oferecida a agricultores familiares resultou em aumento de 140% da renda e redução de 80% do desmatamento, reforçando seu papel estratégico.
Já o pesquisador da Embrapa Marcelo Morandi elucidou o funcionamento do Plano Clima, que será a principal ferramenta para o Brasil cumprir sua NDC (meta internacional de redução de emissões). O plano orienta o desenvolvimento econômico do país até 2035 e divide responsabilidades entre setores, com ênfase em agricultura, uso da terra e preservação ambiental, justamente os pontos centrais para as emissões brasileiras. Morandi explicou que ainda há ajustes em debate, principalmente para diferenciar desmatamento legal e ilegal e para definir mecanismos de incentivo, como pagamento por serviços ambientais, CRA e crédito de carbono. “É um plano de Estado, não de governo. Ele precisa equilibrar metas climáticas e viabilidade produtiva”, disse.
O encontro também trouxe reflexões sobre políticas públicas e futuro. Roberto Rodrigues e os especialistas defenderam uma estratégia que una ciência, produtores, assistência técnica e instrumentos financeiros para transformar a Amazônia em um polo de desenvolvimento sustentável, substituindo atividades ilegais por cadeias produtivas legais de alto valor. Rodrigues chegou a propor um “Poupatempo da Amazônia”, onde o produtor regularizaria a terra, acessaria crédito, assistência técnica e sairia com um plano estruturado de produção sustentável.
Ao encerrar a discussão, Rodrigues destacou que a COP30 inaugura uma nova fase para o Brasil no debate climático: “O agro tropical é solução. Ciência e tecnologia mostram que é possível produzir, preservar e garantir alimento, energia e clima estável ao mesmo tempo. Esta COP não é o fim, é o começo de uma nova jornada.”