Plano Clima tem falta de base técnica e pode punir quem produz, diz especialista

Documento pode fragilizar políticas ambientais já consolidadas, afirma Rodrigo Lima, da Agroicone

Plano Clima tem falta de base técnica e pode punir quem produz, diz especialista

Criado em 2008, o Plano Clima foi o primeiro documento a reunir políticas brasileiras de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Agora em fase de atualização, a proposta deveria integrar as estratégias de diversos setores. No entanto, representantes do agronegócio afirmam que o texto atual não cumpre esse papel e acaba transferindo responsabilidades indevidas ao produtor rural.

Para o diretor-geral da Agroicone, Rodrigo Lima, a entrega do documento durante a COP30, em Belém, é precipitada. Segundo ele, o plano carece de base técnica consistente e pode atribuir ao campo emissões que não refletem a realidade do setor.

“Na teoria, faz sentido associar emissões por uso da terra ao setor agropecuário. Mas, na prática, o Brasil ainda não possui dados confiáveis para delimitar essas áreas. Isso pode distorcer os números e gerar interpretações equivocadas sobre o papel do agro”, afirma.

Falta de integração entre planos setoriais

Outro ponto de preocupação é a ausência de integração entre as políticas já existentes. Caso o novo Plano Clima seja aprovado na forma atual, a agenda de agricultura de baixo carbono construída ao longo dos últimos anos pode ser enfraquecida.

“O plano deveria funcionar como um guarda-chuva, organizando as ações dos diferentes ministérios e estabelecendo coerência entre elas. O que vemos, no entanto, é um conjunto de intenções sem uma metodologia comum”, avalia Lima.

O especialista lembra que o Brasil já conta com instrumentos sólidos, como o Programa ABC+, voltado à agricultura de baixo carbono, e o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm). “O ideal seria alinhar o Plano Clima a essas políticas já consolidadas, em vez de criar novas estruturas sem coordenação”, pontua.

Produtor rural pode ser penalizado

A forma como o documento redistribui as emissões também gera apreensão no setor. Segundo Lima, considerar todo o desmatamento em áreas rurais como responsabilidade da agropecuária é um equívoco.

“O produtor pode acabar sendo penalizado por emissões de áreas que não estão sob sua gestão direta, como assentamentos ou terras públicas. Isso gera insegurança e pode dificultar o acesso ao crédito rural”, explica.

Para ele, a fiscalização ambiental deve continuar sendo conduzida por órgãos especializados, como o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente, e não pelo Ministério da Agricultura. “O Mapa não tem atribuição legal para atuar no controle do desmatamento. Criar essa expectativa desloca funções e sobrecarrega o produtor”, ressalta.

Documento incompleto e sem definição de custos

Outro ponto crítico é o estágio de elaboração do plano. Segundo Lima, as estratégias de monitoramento e financiamento ainda estão em consulta pública. “Estamos discutindo um documento sem acesso à parte que detalha sua implementação, quem vai arcar com os custos e quais incentivos econômicos estão previstos”, observa.

Nesse contexto, o governo corre o risco de apresentar um plano incompleto na COP30, apenas para demonstrar avanço político. “A ambição climática é importante, mas precisa vir acompanhada de realismo técnico. Sem isso, o plano perde credibilidade”, alerta.

Avanços do agro precisam ser reconhecidos

Lima defende que o Brasil adote uma postura mais equilibrada, valorizando os avanços já conquistados pelo agronegócio em sustentabilidade.

“O setor rural brasileiro é protagonista na redução de emissões, seja pela recuperação de pastagens, pela integração lavoura-pecuária-floresta ou pelo uso eficiente de insumos. O Plano Clima deveria fortalecer essa agenda, e não tratá-la como problema”, afirma.

Para ele, reforçar políticas como o Plano ABC+ e ampliar o acesso a financiamentos verdes seriam caminhos mais eficazes para alcançar as metas climáticas de 2035. “O caminho não é punir quem já faz o certo, mas incentivar quem quer seguir nessa direção”, conclui.