
A segurança alimentar voltou a ser um dos temas centrais nos debates climáticos durante a COP30, realizada em Belém, Pará. Eventos climáticos extremos, como secas prolongadas, enchentes e ondas de calor, têm prejudicado diretamente a produção de alimentos em diversos continentes.
Em 2023, o ano mais quente da história, mais de 730 milhões de pessoas enfrentaram fome, enquanto a agricultura sofreu mais de um quarto dos prejuízos econômicos provocados por esses fenômenos.
O Brasil, por ser um país tropical com solos férteis, biodiversidade rica e tecnologias que permitem integrar produção agrícola, pecuária, floresta e energia renovável, tem um papel estratégico nesse cenário.
Práticas como integração lavoura-pecuária-floresta, uso de bioinsumos e aproveitamento de resíduos agrícolas mostram que é possível aumentar a produção, reduzir emissões de gases de efeito estufa e fortalecer a resiliência climática.
Segundo professor da FGV Agro, Leonardo Munhoz, a agricultura tropical pode deixar de ser vista como vítima das mudanças climáticas e passar a ser reconhecida como parte da solução global. Desde 2017, a ONU discute a relação entre agricultura e clima, e em 2022 criou o Charmel Shake Joint Work, com foco em transformar conhecimento em ações práticas.
Até 2026, workshops e relatórios devem preparar decisões definitivas, com a COP30 servindo como momento-chave para colocar a agricultura tropical no centro das negociações internacionais.
Desafios e oportunidades
Apesar dos avanços, o setor enfrenta grandes desafios. Faltam métricas claras para comparar emissões e produtividade entre países, e apenas 4,3% dos recursos globais de financiamento climático vão para sistemas agroalimentares, com quase nada chegando a pequenos produtores. O mercado voluntário de carbono é caro e complexo, e a integração entre produção de alimentos e geração de energia limpa ainda é pouco explorada.
A agricultura tropical, no entanto, pode enfrentar dois problemas globais simultaneamente: garantir alimento de qualidade para a população crescente e reduzir a dependência de combustíveis fósseis por meio da produção de biogás, biometano e biocombustíveis a partir de resíduos agrícolas. Programas como o RenovaBio mostram que isso é possível de forma eficiente e sustentável.
Propostas do Brasil para a COP30
O país pode propor cinco ações estratégicas:
- Reconhecer oficialmente a transição climática dependente da agricultura tropical;
- Incluir metas agrícolas e de bioenergia nos planos nacionais de adaptação e mitigação;
- Criar indicadores padronizados para dar segurança a mercados e investidores;
- Direcionar fundos climáticos a pequenos produtores;
- Utilizar o Artigo 6 do Acordo de Paris para financiar projetos de bioenergia com salvaguardas ambientais.
Munhoz reforça que, para evitar críticas sobre a competição entre produção de alimentos e energia, é fundamental priorizar resíduos agrícolas e áreas degradadas, garantindo proteção ambiental, direitos trabalhistas e participação das comunidades locais. Transparência e rastreabilidade serão essenciais para conquistar confiança internacional e manter acesso aos mercados.