STF julga se recomposição de reserva deve ser feita por bioma ou “identidade ecológica’
No texto original do Código Florestal, a avaliação da área para compensação de Reserva Legal pelo critério bioma, já é amplamente realizada, o qual é um método objetivo, de fácil aplicação e, portanto, com baixos custos de transação
Em 25 de agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento dos Embargos de Declaração da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 42, para esclarecer o conceito de “identidade ecológica”, e se este deve ser estendido para os demais métodos de compensação previstos no artigo 66 do Código Florestal, e não somente para a Cota de Reserva Ambiental (CRA).
Essa dúvida teve origem com o julgamento do Código Florestal. Neste caso, a Corte abriu divergência quanto ao artigo 48, § 2º, ao estabelecer a necessidade de interpretação conforme à Constituição Federal para a compensação por meio de Cota de Reserva Ambiental, especificando que ela deve ser feita em áreas de mesma “identidade ecológica”, ao invés de mesmo bioma: a divergência prevaleceu ao final do julgamento.
Entretanto, a possível alteração de interpretação do artigo 48, § 2º para “identidade ecológica” confronta os parâmetros estabelecidos no artigo 66, §§ 5º e 6º, para os demais métodos de compensação para fins de reserva legal, mantido como constitucional pelo próprio plenário do STF. Diante da incongruência entre os artigos 66 e 48, que gerou dúvidas e incertezas criada pela decisão do STF, houve a oposição de embargos de declaração por parte da Advocacia Geral da União (AGU) e do Partido Progressista, para que o Tribunal esclareça essas obscuridades.
O Ministro Relator Luiz Fux proferiu seu voto decidindo que o conceito de “identidade ecológica” se aproximaria de “características ecológicas” na mesma bacia ou microbacia hidrográfica, já presentes na Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/2006, artigo 17). O Relator complementa que o critério de compensação de “mesma característica ecológica” estava igualmente presente no Código Florestal revogado de 1965 (Lei Federal nº 4.771/1965).
Com base em uma lei especial e outra revogada, para o Ministro Relator, o conceito de identidade ecológica a ser usado na norma geral do Código Florestal, substituindo o critério de bioma, traz a noção de: mesmo ecossistema; dentro da mesma bacia ou microbacias, caso possível; ou maior proximidade possível.
Quanto à incongruência entre os artigos 66 e 48 referentes ao critério de compensação de RL a ser utilizado (i.e., identidade ecológica ou bioma), o Relator decide por estender a interpretação conforme à Constituição Federal do critério de identidade ecológica do artigo 48 para os demais métodos de compensação de RL do artigo 66. Este voto foi seguido pelos Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Carmen Lucia e Gilmar Mendes.
Já o Ministro Alexandre de Moras proferiu voto divergente. No seu voto divergente, o Ministro destacou que o artigo 48 deve ser mantido como constitucional, portando, mantendo o critério de mesmo “bioma” como presente na sua redação original. Por fim, o restante dos cinco ministros ainda não votaram e Ministro Roberto Barroso pediu vistas, assim suspendendo o julgamento desses embargos até o momento (prazo de 50 dias).
Apesar do julgamento não ter sido concluído, a decisão a ser tomada pelo STF tem potencial de gerar grandes impactos na implementação do Código Florestal e nos mecanismos de compensação de Reserva Legal. Aumento do desmatamento legal devido incertezas da compensação: O voto explica que o conceito de identidade ecológica seriam áreas de mesmo ecossistema, dentro da mesma microbacia ou maior proximidade possível. Apesar do voto apresentar uma direção do sentido desse novo critério, não há definição objetiva do termo.
Valores de mercado para reserva
No texto original do Código Florestal, a avaliação da área para compensação de Reserva Legal pelo critério bioma, já é amplamente realizada, o qual é um método objetivo, de fácil aplicação e, portanto, com baixos custos de transação.
Com este critério objetivo, os valores de mercado podem ser mensurados e precificados conforme a fórmula:
a) (i) extensão da área de vegetação nativa, (ii) oferta e demanda (i.e., superávit e déficit de RL) e (iii) bioma no qual os imóveis estão situados. A falta de um conceito objetivo de identidade ecológica tornará o procedimento de compensação no órgão ambiental subjetivo com difícil previsibilidade de precificação e mensuração dos títulos.
b) Incerteza da retroatividade da decisão: caso o STF decida por substituir o critério de compensação de bioma por identidade ecológica, é apropriado que explique se há retroatividade de efeitos. Conforme a Lei Federal 9.868/1999, quando uma lei é julgada inconstitucional os efeitos da decisão podem ser retroativos ou podem ter os seus efeitos restritos. Porém, o STF por maioria de 2/3 dos seus membros podem optar pela modulação dos efeitos da decisão, ou seja, por não torná-la retroativa (i.e., ex nunc, ou a partir de agora).
No caso em questão, apesar de ser um julgamento da constitucionalidade da norma do Código Florestal, houve interpretação conforme do artigo 48, substituindo completamente dispositivo do texto original – efeito de inconstitucionalidade. Com isso, a possível retroatividade da decisão criará grande insegurança jurídica para os Termos de Compromisso de compensação de reserva legal já firmados e transacionados entre partes e órgãos ambientais estaduais.
c) Assincronia com normas estaduais: atualmente existem 18 normas florestais estaduais vigentes, no que se refere aos Programas de Regularização Ambiental (PRA), prevendo o mesmo bioma como critério de compensação para regularização de passivos de Reserva Legal. A Bahia possui a única legislação até o momento que solicita mesmo bioma e bacia hidrográfica.
Mas ainda assim não se assemelha ao conceito desenhado no voto do Relator. Caso o STF decida pelo uso do critério de identidade ecológica, haverá antinomia em relações às normas estaduais, as quais deverão ser atualizadas, levando à grave insegurança jurídica e maior retardamento na implementação da agenda do Código Florestal nos estados, que já sofre com a lentidão na análise dos pedidos de registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Com base no exposto, com a possível alteração do critério de bioma para identidade ecológica, os custos de transação podem ser elevados, bem como, haverá falta de transparência do critério e sua interpretação dentro de cada órgão ambiental estadual.
Com isso poderá não ser mais vantajoso que o produtor com excedente de vegetação em Reserva Legal a mantenha preservada, sendo mais eficiente converter essas áreas para produção agropecuária e, portanto, em tese, podendo requerer sua supressão legal, em outras palavras, poderá ser mais eficiente a prática do desmatamento legal ao invés de preservação de excedente de vegetação.
Nesse sentido, é importante destacar que, atualmente no Brasil, existe uma área de 8,6 milhões de hectares com excedente de vegetação nativa em propriedades rurais, com um potencial de gerar 40 bilhões de reais (CHIODI, 2018 ), que ao invés de serem ofertados em compensação do Código Florestal poderão ser convertidos, caso a compensação não seja mais eficiente para o produtor devido complicações e incertezas no sistema hoje vigente.
Por Leonardo Munhoz Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas