Manejo do solo correto favorece produção pecuária e o clima

A agropecuária (áreas de pasto e áreas agrícolas) ocupa 30% da superfície terrestre brasileira fazendo com que o manejo correto do solo seja essencial para uma melhor produção

Soil fertility analysis as agricultural activity, female farmer holding arable ploughed dirt in cupped hands
Soil fertility analysis as agricultural activity, female farmer holding arable ploughed dirt in cupped hands

Reduzindo a pressão pela abertura de novas áreas para a produção agropecuária, a natureza mantém os serviços ambientais essenciais à agropecuária, como produção de chuva, ao mesmo tempo em que o produtor aumenta sua rentabilidade.

A agropecuária (áreas de pasto e áreas agrícolas) ocupa 30% da superfície terrestre brasileira, ou 231 milhões de hectares, segundo o MapBiomas. Com investimento e tecnologia, é suficiente para o Brasil aumentar sua produção, respondendo assim às necessidades presentes e futuras do mercado global de commodities agropecuárias e das exigências por preservação ambiental.

Existem técnicas de intensificação do uso do solo que ajudam a aumentar a produção, evitando a abertura de novas áreas. Um dos mais difundidos atualmente é a estratégia de safra e safrinha.

O plantio da safra é realizado de acordo com a chegada da chuva, período em que as condições climáticas, temperatura, luminosidade e umidade são mais adequadas para o desenvolvimento das culturas sem irrigação. É quando o produtor investe no plantio de mais interesse.

Já a safrinha acontece logo após a safra, para aproveitar o restante de chuva. Seu volume produtivo, se comparado à safra, é menor em virtude das condições climáticas. Os dois sistemas ajudam a programar o período de preparação do solo para a plantação e proporcionam um melhor aproveitamento da mesma área, que será utilizada para diferentes culturas.

De acordo com o pesquisador da Embrapa Eduardo Assad, quando se trabalha só com a lavoura de soja, por exemplo, utiliza-se apenas 42% do tempo útil da propriedade. Em contraponto, quando é feito o plantio da safra e da safrinha, o uso do tempo útil sobe para 80%.

“Se no primeiro caso eu teria 3.500 quilos de grão por hectare, no segundo temos em média 8 mil kg de grão por hectare. Ou seja, um impacto econômico enorme”, exemplifica Assad.

A pesquisadora do IPAM Ludmilla Rattis explica que, ao manter o solo ocupado por mais tempo, ele fica menos exposto, evitando a perda de água e de matéria orgânica, como o carbono, o que favorece o plantio. “Além disso, os níveis de evapotranspiração [quando a água sai do sistema terrestre e volta para a atmosfera] também são mantidos por um período maior, beneficiando o ciclo da água.”

Um artigo publicado em 2016 na revista Global Change Biology demonstrou que a evapotranspiração dos sistemas de safra e safrinha, em algumas áreas do Cerrado, é quase equivalente a uma área de vegetação natural.

“Isso é importante, pois, quando falamos de manter o ciclo da água e de assimilar carbono, são vantagens tanto para a agricultura quanto para o meio ambiente e para o clima”, reforça Rattis.

Menos dano, mais resistência

Outro método que beneficia o solo é o sistema de plantio direto (SPD), no qual se aproveita a matéria orgânica do resto da última safra e planta-se na mesma área, sem necessidade de mexer – arar e gradear – a terra, que já estará enriquecida por conta da decomposição da matéria orgânica.

Dessa forma, é possível economizar com tratos culturais (preparo do solo, adubação, aplicação de defensivos, dentre outros), evitando revolver o terreno, reduzindo a compactação do solo e minimizando os danos com erosão.

Assad explica que, ao manter o solo coberto, o plantio direto proporciona um ganho de pelo menos 10,15% de umidade da terra, fazendo com que as plantas consigam resistir mais ao veranico – dias de muito sol e calor que ocorrem no período chuvoso. Outro ponto importante é o aumento na matéria orgânica, garantindo que a próxima safra tenha um solo melhor que o anterior. “Para isso, basta o produtor mudar o seu manejo”, explica o pesquisador.

Rattis destaca que qualquer prática agrícola que beneficie a quantidade de matéria orgânica na terra ou que evite a perda de água favorece o que está sendo cultivado naquele momento e posteriormente. “Esse é um princípio de agricultura sustentável. Não há sustentabilidade se você tira mais do solo do que você devolve e se aquele cultivo produz seca ao invés de produzir água.”

Gado que protege o solo

Já no sistema de integração lavoura-pecuária (ILP) e integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), além de safra e de safrinha, incorpora-se o gado e, no caso do ILPF, adiciona-se as árvores.

Nesses sistemas, o pasto que irá alimentar o rebanho também protege o solo, mantendo o carbono e sua umidade. “Isso faz com que as plantas resistam mais à redução de chuvas, que estão acontecendo principalmente por conta dos problemas climáticos que o mundo está passando”, diz Assad.

No Brasil, são 11,5 milhões de hectares com sistemas integrados (ILP e ILPF), dos quais aproximadamente 2 milhões estão no Mato Grosso do Sul e 1,5 milhão de hectares estão em Mato Grosso.

Os dois sistemas proporcionam um melhor aproveitamento da área, conforme salienta Assad. “Em termos de rentabilidade isso é muito bom, além de melhorar a qualidade do solo e aumentar o teor de água e carbono retido nele, reduzindo a emissão de gases do efeito estufa”, reforça.

Ele ressalta ainda que, no caso do ILPF, além de as árvores proporcionarem sombreamento para os animais, contribuindo para o bem-estar e para o ganho de peso do rebanho, elas conseguem fixar ainda mais carbono em suas estruturas.

É dessa forma que as árvores auxiliam no equilíbrio do clima, quando retira carbono da atmosfera por meio da fotossíntese e consome energia para transpirar a água.

“Uma árvore média, de 20 metros de altura, por exemplo, joga 500 litros de água para a atmosfera todos os dias. Sua potência de resfriamento é de 70 kWh para cada 100 litros de água transpirada, o equivalente à potência de dois aparelhos de ar condicionado residenciais”, explica Rattis.

Quebrando paradigmas

O proprietário rural e engenheiro agrônomo Fernando Paim adota as técnicas de safra, safrinha e plantio direto em sua propriedade.

“Geralmente a soja é plantada nas primeiras chuvas, em setembro; é colhida em dezembro, e, em seguida, planta-se o algodão. Isso é feito majoritariamente por meio do plantio direto.”

Paim é um dos produtores contratados pelo projeto CONSERV, lançado em outubro de 2020 pelo IPAM, em parceria com o Woodwell Climate Research Institute e com o EDF (Environmental Defense Fund). O mecanismo privado e de adesão voluntária remunera financeiramente produtores rurais da Amazônia Legal que se comprometem a conservar o excedente de vegetação nativa em suas propriedades que, por lei, poderia ser suprimida.

Mesmo com uma área produtiva arrendada, Paim é entusiasta das boas práticas no campo e entende a importância de conciliar produção com conservação. “Ao mesmo tempo em que temos o direito de utilizar nossa propriedade, precisamos também conservá-la para continuar usufruindo dela.”

De acordo com Assad, para que essas técnicas sejam mais adotadas no país, é importante que as tecnologias já existentes cheguem até o produtor. Para isso, é necessário quebrar o paradigma de que árvore deitada vale mais que árvore em pé. “Se é rentável e auxilia o clima, temos de sair desse padrão antigo e modernizar a atividade”, defende.