Ciência e Sustentabilidade

A trajetória da brasileira que transformou a soja com insumos biológicos

Em entrevista exclusiva ao Planeta Campo Talks, pesquisadora da Embrapa Soja e vencedora do “Nobel da Agricultura” destaca a importância da pesquisa com insumos biológicos, da comunicação científica e do combate à fome com base na sustentabilidade.

A trajetória da brasileira que transformou a soja com insumos biológicos

No Planeta Campo Talks desta semana, a engenheira agrônoma Mariangela Hungria, da Embrapa Soja, compartilhou sua inspiradora trajetória até conquistar um dos maiores reconhecimentos da ciência agrícola: o Nobel da Agricultura. Primeira brasileira e uma das dez mulheres no mundo a receber a honraria, Mariangela defende que o avanço da ciência é essencial para garantir segurança alimentar com sustentabilidade.

Desde a infância, Mariangela já sonhava em ser cientista. Inspirada por sua avó professora e por livros sobre microbiologia, decidiu seguir o caminho da agronomia com um objetivo claro: contribuir para a redução da fome no mundo. “Sempre quis usar a ciência para produzir alimentos com o menor impacto ambiental possível”, afirmou.

O papel da ciência na produção sustentável

Ao longo de mais de 40 anos de atuação na Embrapa, Mariangela liderou pesquisas pioneiras com fixação biológica de nitrogênio, técnica que substitui o uso de fertilizantes químicos por microrganismos eficientes. Graças a esse trabalho, o Brasil hoje é referência global na produção de soja com insumos biológicos, o que garante economia, produtividade e menor impacto ambiental.

“A soja brasileira só é competitiva no mercado internacional por causa da fixação biológica de nitrogênio. Sem isso, seria inviável economicamente”, explicou a pesquisadora. Hoje, cerca de 85% das áreas de soja no Brasil utilizam microrganismos que promovem essa fixação.

Investimento em pesquisa e a necessidade de recursos

Mesmo com avanços reconhecidos internacionalmente, Mariangela alerta para um desafio crescente: a falta de recursos. “A ciência brasileira faz milagres com o pouco que recebe. Mas não deveria ser assim. Precisamos de investimentos contínuos para continuar inovando”, afirmou.

Ela também destacou que a Embrapa enfrenta hoje um cenário diferente do início de sua carreira, quando havia mais recursos e estrutura para pesquisa. Atualmente, o número de funcionários é menor e os recursos, escassos. “O ritmo da ciência mundial exige atualização constante, com tecnologias como inteligência artificial e edição gênica. Sem investimento, ficamos para trás.”

Recuperação de pastagens degradadas com biológicos

No encerramento da carreira, Mariangela escolheu um novo foco: a recuperação de pastagens degradadas com o uso de bioinsumos. Ela ressalta que cerca de 60% das pastagens brasileiras estão degradadas, representando um grande passivo ambiental e econômico.

“Com pesquisas já em andamento há quase 10 anos, conseguimos mostrar que é possível recuperar essas áreas com a combinação de químicos e biológicos, aumentando a produção e liberando milhões de hectares para a agricultura sem desmatamento”, afirmou.

Segurança alimentar, comunicação e COP 30

Mariangela também participou da organização de um livro sobre segurança alimentar e nutricional, disponível gratuitamente no site da Academia Brasileira de Ciências. A obra aborda desde a produção até a distribuição de alimentos, além de políticas públicas e o papel da comunicação.

Para a pesquisadora, a COP 30, que acontecerá no Pará em 2025, será uma vitrine para o Brasil mostrar ao mundo sua capacidade em agricultura tropical sustentável. Ela defende que a ciência brasileira precisa ser valorizada e comunicada de forma clara à sociedade: “A comunicação é hoje um dos maiores desafios da ciência. Precisamos de canais confiáveis para mostrar o valor da pesquisa.”

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