COP28 é a chance de o Brasil assumir a liderança na gestão da crise climática

A COP 28 pode representar um divisor de águas na agenda climática por avançar na revisão das metas assumidas voluntariamente pelos países

O Brasil chega à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, com dois trunfos na manga: a redução de 22% no desmatamento na Amazônia no último ano e a revisão de suas metas climáticas, a NDC.

Segundo o último levantamento do Prodes/Inpe, o país conseguiu evitar que 133 milhões de toneladas de carbono, o equivalente a 7,5% das emissões nacionais, fossem lançadas na atmosfera nos últimos 12 meses. Com isso, se credencia para assumir uma posição de destaque nas negociações, já visando a liderança que terá na COP30, que hospedará em Belém, em 2025.

“Além de ser uma chance de mostrar avanços no combate ao crime ambiental, a COP28 traz para o Brasil a oportunidade de se posicionar com uma importante liderança internacional em um momento de agravamento da crise climática”, explica Renata Piazzon, cofacilitadora da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretora-geral do Instituto Arapyaú.

O impasse sobre os combustíveis fósseis

Combustível

Foto: Envato

Uma das principais indefinições da COP é como as nações vão abordar a questão dos combustíveis fósseis, uma vez que o anfitrião e presidente da conferência, Sultan Ahmed Al Jaber, é o líder da estatal petrolífera dos Emirados Árabes Unidos. Ele mesmo assumiu, em entrevista recente ao Financial Times, a necessidade de que o setor pense na produção de energia limpa.

“O Brasil, por um lado, comparece com uma posição mais confortável, já que estamos com taxas de desmatamento da Amazônia menores. Também organizamos neste ano a Cúpula da Amazônia, que teve grande visibilidade internacional e nos colocou como um país que busca soluções na questão florestal. Por outro lado, é crescente a pressão para a definição sobre a exploração ou não de petróleo na margem equatorial, que coloca setores do governo em lados opostos. Com isso, os sinais para a transição energética e para uma economia de baixo carbono ficam aparentemente contraditórios”, avalia Suzana Kahn, diretora da Coppe/UFRJ e membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil.

Destaque para sistemas alimentares

No entanto, os holofotes da conferência climática estarão virados para os sistemas alimentares, responsáveis por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa. A presidência da COP lançou no último dia 24 de julho a Agenda de Sistemas Alimentares e Agricultura da COP28.

Ela tem quatro pilares, abrangendo lideranças nacionais, atores não estatais, aumento da inovação e financiamento. O objetivo é que os governos assinem uma Declaração dos Líderes sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática, além de integrarem os sistemas alimentares e a agricultura sustentável nas agendas climáticas nacionais.

Como um dos líderes mundiais na produção de alimentos, o Brasil terá papel-chave nesse debate. Para a Coalizão Brasil, trata-se de uma oportunidade importante para o país, já que o setor é também um dos mais prejudicados pelas alterações do clima.

“É preciso tratar o papel dos sistemas alimentares na luta contra a emergência climática com maturidade, sem perder de vista que a principal fonte dos gases de efeito estufa é a queima de combustíveis fósseis e sem esquecer que a agenda de mitigação precisa caminhar junto da adaptação a um clima que já mudou”, ressalta Piazzon. “O desafio de chegarmos a emissões líquidas zero em 2050 está atrelado ao desafio de alimentarmos as 10 bilhões de pessoas que habitarão o planeta em meados do século”, adverte.

Agricultura de baixo carbono no Brasil

Agricultura

Foto: Envato

Em recentes documentos e contribuições para políticas públicas, a Coalizão Brasil defendeu que o incentivo à agropecuária moderna, produtiva e responsável na utilização dos recursos naturais é essencial para o Brasil aumentar sua produção, gerar empregos e abrir novos mercados, ao mesmo tempo, em que garante segurança alimentar, oferta de energia renovável e caminha para atingir a meta de desmatamento zero.

O Brasil não precisa perder um centímetro de floresta e de outras vegetações nativas para expandir sua produção. Esse é um dos pontos levantados para a COP.

Segundo André Guimarães, membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil e diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a agricultura de baixo carbono é um caminho inexorável para o Brasil e não existe outra possibilidade para que o país se adeque às mudanças climáticas.

“Além de sermos justos com os nossos compromissos internacionais, precisamos manter a nossa capacidade produtiva. A agricultura de baixo carbono no Brasil, e talvez seja um dos poucos países onde isso acontece, é um jogo de ganha-ganha. Quando caminhamos para melhorar a qualidade dos nossos solos, fixando mais carbono e mais matéria orgânica, melhoramos também a nossa capacidade produtiva”, explica.

“Então, o Brasil é um dos poucos países onde contribuir para o clima é algo que pode nos beneficiar indiretamente através da mitigação do clima do planeta. Há, também, benefícios diretos, que ocorrem através da melhoria das condições de produção no médio e longo prazos, uma vez que estamos frente a uma situação de mudança climática.”

De acordo com Guimarães, a resiliência da agricultura do futuro vai depender da capacidade do país se adaptar a uma nova realidade.

“Isso significa emitir menos carbono, promover menos desmatamento e aumentar o papel das fazendas, das propriedades agrícolas ou agropecuárias nessa contribuição positiva para o clima do planeta”.

O desenvolvimento da agricultura de baixo carbono, resiliente à mudança do clima, requer investimentos de longo prazo, públicos e privados, para a transição tecnológica. Pequenos agricultores devem ser priorizados, dada sua contribuição potencial para a conservação ambiental e sua vulnerabilidade aos eventos climáticos extremos.

Valorização dos ecossistemas e financiamento climático

Para a Coalizão Brasil, o avanço na descarbonização do país está ligado, ainda, à valorização dos ecossistemas. Portanto, é preciso maximizar os investimentos em soluções baseadas na natureza, como a redução do desmatamento e restauração.

Um artigo publicado no ano passado na revista People and Nature mostrou que as atividades de recuperação da vegetação nativa podem gerar mais de 2,5 milhões de empregos no Brasil, se considerados os esforços para cumprimento da meta climática voluntária apresentada pelo país junto ao Acordo de Paris, que prevê a restauração de 12 milhões de hectares.

Há uma expectativa de que o governo federal anuncie na COP28 um programa de produção sustentável, que prevê a recuperação e conversão de 40 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade em áreas cultiváveis.

No cenário internacional, a Coalizão Brasil recomenda que a delegação do país defenda na COP o avanço das discussões sobre o financiamento climático. É preciso estabelecer datas e prazos para o repasse de recursos para que as nações em desenvolvimento desenvolvam políticas de adaptação e mitigação às mudanças climáticas.

Mercado de carbono

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Foto: Envato

Após a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, na COP 26, estabelecendo regras básicas para o funcionamento do mercado de carbono, a expectativa é pela definição de regras que garantam transparência e reduzam riscos como a dupla contagem.

No Brasil, o projeto de lei que regula o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) está em tramitação na Câmara dos Deputados. Neste primeiro momento, não está prevista a inclusão de atividades da atividade agropecuária primária. Isso não significa, porém, que o setor será totalmente excluído.

“Outros instrumentos devem direcionar o setor agropecuário para ganhos de produtividade com menos emissões, como a ampliação do Programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono), sistemas que integram lavouras, pecuária e floresta (ILPF), o fomento à recuperação de pastagens e de áreas degradadas e uma intensificação da pecuária com redução da pegada de carbono”, ressalta Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil.

Global Stocktake e metas climáticas (NDCs) na COP

A COP 28 pode representar um divisor de águas na agenda climática por avançar na revisão das metas assumidas voluntariamente pelos países, as NDCs, para limitar o aumento da temperatura global em 1,5 grau Celsius, como acertado no Acordo de Paris. Segundo a ONU, as atuais NDCs são insuficientes para evitar o avanço do aquecimento global além de níveis minimamente seguros para a humanidade.

Diante do agravamento dos efeitos das mudanças climáticas, como o aumento da duração e frequência de ondas de calor e enchentes, o cerco deve se estreitar sobre as nações que continuam longe de cumprir as metas do Acordo de Paris, como as que resistem em reduzir o uso de combustíveis fósseis. O Brasil, no entanto, pode ser instado a se posicionar sobre a redução do desmatamento no Cerrado, que acumula altas sucessivas.

A divulgação do Global Stocktake, primeiro balanço das emissões globais desde a criação do Acordo de Paris, em 2015, revelou a necessidade de as nações assumirem metas ante a UNFCCC, painel climático da ONU.

Os compromissos anunciados voluntariamente por cada país não serão suficientes para limitar o aumento da temperatura global ao patamar estabelecido em Paris e defendido pela comunidade científica. No fim de outubro, o Brasil atualizou sua NDC para a redução de 48% de emissões de gases de efeito até 2025 e de 53% até 2030, tendo 2005 como ano-base. Trata-se de uma retomada dos números anunciados em 2015.