Estudo adverte sobre efeitos das mudanças climáticas nos casos de dengue
O Ministério da Saúde registrou, somente este ano, 217.481 casos prováveis da doença no país e mais de 9 mil no estado do Rio de Janeiro, contra 1.960 ocorrências em 2023.
O aumento no número de casos de dengue no Brasil no primeiro mês de 2024 vem gerando a mobilização de governo, sociedade civil e pesquisadores no combate ao mosquito transmissor da doença, o Aedes aegypti.
O Ministério da Saúde registrou, somente este ano, 217.481 casos prováveis da doença no país e mais de 9 mil no estado do Rio de Janeiro, contra 1.960 ocorrências em 2023.
Os dados evidenciam o alerta emitido pela pesquisa “Climate change and risk of arboviral diseases in the state of Rio de Janeiro (Brazil)” (“Mudança climática e risco de arboviroses no estado do Rio de Janeiro”, em tradução livre), desenvolvida pelos professores Antonio Carlos da Silva Oscar Júnior, do Instituto de Geografia (Igeog) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e Francisco de Assis Mendonça, da Universidade Federal do Paraná, que aponta as mudanças climáticas e o aumento das temperaturas e da umidade como fatores de proliferação do mosquito.
Segundo o estudo, o processo associado ao vetor da arbovirose tem relação com as condições urbanas e sociais, além do impacto de fenômenos como o aquecimento global.
“Para se desenvolver, o mosquito precisa de uma faixa ótima de temperatura, entre 20° e 30 °C, focos de água parada e umidade suficiente para eclosão de ovos, além de um ambiente de propagação. Esses aspectos climáticos interferem na população de mosquito nos espaços das cidades e, consequentemente, na exposição da comunidade à doença”, explica Antonio Carlos Oscar.
Apoiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a pesquisa utiliza ferramentas de modelagem climática para traçar análises de cenário e projetar casos possíveis até o ano de 2070, mapeando tendências para o desenvolvimento da doença.
O professor do Igeog ressalta o risco da perda do caráter sazonal da dengue, já que os dados epidemiológicos mostram um aumento de casos, inclusive durante o inverno. Esta nova característica poderia gerar uma sobrecarga do sistema público de saúde durante o ano, além da anulação do período de elaboração de ações do poder público, como o planejamento de campanhas de prevenção e conscientização da população, normalmente realizado na época com menor número de infecções pela arbovirose.
O artigo também expõe que, associada ao aumento de casos em todas as estações, há a possibilidade de expansão territorial do Aedes aegypti, alcançando o Centro-Sul fluminense e a Região Serrana do Rio de Janeiro.
“Estamos falando de áreas que não tinham registro de alguns sorotipos da doença e onde, antes, o vetor não possuía condições tão ótimas para circulação, o que pode causar um agravamento de casos da dengue hemorrágica, por exemplo. Para piorar o quadro, o estudo aborda o mosquito dos dias de hoje, mas já está provado na literatura que ele é um expert em adaptação, ou seja, vai se ajustar a essas mudanças e características, conseguir se sobrepor e sobreviver”, destaca.
Prevenção e controle
Apesar do cenário pessimista evidenciado pela pesquisa, Oscar defende a estratégia da vacinação aliada à eliminação das condições de desenvolvimento do mosquito, para frear o avanço da doença.
“É necessário ainda investir em saneamento básico e garantir que as metas estabelecidas sejam cumpridas no nosso estado. Essas ações ajudam a evitar o estoque de água da população e, consequentemente, diminuem a sua exposição ao vetor, porque isso inibe também o desenvolvimento do mosquito”, lembra o professor.
Para a infectologista Luana Sicuro, do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) da Uerj, a imunização pode promover uma redução na severidade da doença. “A vacina está estudada e teve uma resposta satisfatória, diminuindo o número de casos dos quatro sorotipos de dengue. Mesmo que não impeça a pessoa de se contaminar, a vacina reduz as condições graves e as internações. E, com menos pessoas infectadas, mesmo que em uma faixa etária mais jovem, a cadeia de transmissão também melhora”, assegura a especialista.
A pesquisa coordenada por Antonio Carlos Oscar também propõe a montagem e estruturação de estações meteorológicas de monitoramento para observar os dados sobre a proliferação do Aedes aegypti no território fluminense.
Elaborada em cooperação com o Laboratório de Previsão de Curtíssimo Prazo e Eventos Extremos (Lacpex) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a ferramenta de análise será capaz de utilizar a previsão do clima para avaliar semanalmente o risco de exposição à doença.
“O estudo pode orientar onde o poder público deve investir e direcionar seus esforços a cada momento, considerando a necessidade de atenção para cada parte do estado. Essa interação com a Universidade é importante para otimizar os esforços em termos de recursos humanos, financeiros e técnicos”, finaliza o professor