Mudanças climáticas

Estudo inédito mostra como El Niño e La Niña afetam o calendário das safras

Embrapa analisou três décadas de dados em lavouras de feijão, milho e soja em Goiás e no Distrito Federal

Estudo inédito mostra como El Niño e La Niña afetam o calendário das safras

Fenômenos climáticos globais como El Niño e La Niña estão mexendo com a produtividade de grãos no Brasil. Um estudo inédito da Embrapa analisou três décadas de dados em Goiás e no Distrito Federal e mostra como essas oscilações influenciam diretamente lavouras de feijão, milho e soja.

O pesquisador Alfredo Luiz, da Embrapa Meio Ambiente, explica que El Niño e La Niña fazem parte do mesmo fenômeno, conhecido como Oscilação Sul-El Niño. “O fenômeno tem fases: alguns anos são quentes, chamados de El Niño, e outros frios, chamados de La Niña. É o mesmo fenômeno com características diferentes”, afirma Alfredo.

Estudo da Embrapa em Goiás e Distrito Federal

O levantamento foi realizado como uma extensão do zoneamento de risco climático (ZRC), política pública iniciada pela Embrapa em 1996. O ZRC ajuda agricultores a definir a melhor época de plantio de cada cultura em seus municípios. No entanto, até então, as recomendações eram fixas, sem considerar a fase do fenômeno climático.

A ideia do estudo foi avaliar se identificar antecipadamente anos de El Niño ou La Niña poderia melhorar a previsão de sucesso da colheita. Para isso, a equipe da Embrapa selecionou estações meteorológicas da Agência Nacional de Águas (ANA) e analisou os índices oceânicos que determinam cada fase do fenômeno.

Melhorando a previsão do zoneamento de risco climático

Os resultados mostram que saber se o ano será de El Niño ou La Niña aumenta a precisão da previsão do ZRC. Com isso, agricultores poderiam ajustar o plantio de acordo com a fase do fenômeno.

“No futuro, quando tivermos convicção sobre os efeitos, o projeto poderá orientar o ZRC a dizer: ‘Este ano, apesar do calendário indicar o início do plantio em setembro, devido à fase quente do El Niño, é melhor adiar o plantio da soja neste município’”, explica Alfredo Luiz.

O estudo focou inicialmente em Goiás e no Distrito Federal, mas o projeto será expandido para outras regiões, permitindo que mais produtores se beneficiem das recomendações climáticas avançadas.

Modelos matemáticos e simulação de safras

Para avaliar o impacto climático, a equipe trabalhou com dados de produtividade do IBGE, que englobam todas as propriedades de feijão, milho e soja de cada município. Mesmo sendo dados agregados, o estudo identificou relações claras entre a fase do fenômeno e a produtividade das lavouras.

Entre 1992 e 2021, a produtividade de todas as culturas mostrou tendência de crescimento, refletindo avanços tecnológicos. Para isolar o efeito do clima, os pesquisadores ajustaram modelos matemáticos que consideram apenas as variações causadas pelo fenômeno, eliminando a influência de melhorias na tecnologia agrícola.

A próxima fase do estudo envolve um modelo computacional de simulação que reproduz o crescimento das plantas dia a dia. O modelo considera chuva, luz solar e fotossíntese para prever a produtividade. Ele foi calibrado com experimentos de campo e permite simular safras passadas, ajustando apenas os dados climáticos.

Essa abordagem permite verificar, por exemplo, se o plantio em diferentes datas teria sido mais produtivo em anos de El Niño ou La Niña, mantendo todas as outras condições constantes. “Com esse modelo, podemos entender como o clima realmente afetou a produtividade, sem confundir com evolução tecnológica ou práticas agrícolas”, acrescenta.

Resultados e publicações científicas

Os resultados do estudo serão apresentados no Congresso Brasileiro de Agrometeorologia, em outubro, em Porto Alegre. Além disso, alguns trabalhos já foram publicados no Congresso Internacional de Iniciação Científica, realizado em Campinas. Para acessar os resultados, os interessados podem visitar o site da Embrapa Meio Ambiente, pesquisando pelos termos El Niño e La Niña ou clicando aqui.

Marcius Ariel
Repórter do Planeta Campo, do Canal Rural. Produz conteúdo multiplataforma sobre sustentabilidade, com trabalhos realizados nos seis biomas do Brasil.