Lean: gestão que aumenta a produtividade em até 50% e reduz custos

Especialistas Antonio Prado e Bruno Battaglia detalham como a gestão lean combate riscos, elimina desperdícios e otimiza a produção de grãos

Lean: gestão que aumenta a produtividade em até 50% e reduz custos

Antonio Prado, ex-CEO da Agrex do Brasil, consultor, produtor rural e um dos mais renomados especialistas no tema, e Bruno Battaglia, Head para Agronegócio do Lean Institute Brasil (LIB), especialista em adoção lean na agroindústria, explicam como a gestão lean pode combater riscos, eliminar desperdícios e otimizar custos na produção de grãos.

Para dois dos mais atuantes especialistas desse mercado, Antonio Prado, ex-CEO da Agrex do Brasil – quando foi responsável por 7 fazendas, em aproximadamente 50 mil hectares, entre soja, milho e milheto, e, hoje, um dos mais renomados especialistas no tema –, e Bruno Battaglia, Head para Agronegócio do Lean Institute Brasil (LIB), que há anos acompanha a adoção do sistema lean no setor agroindustrial, aperfeiçoar a gestão é uma necessidade emergente por três motivos principais que se entrelaçam: para combater, evitar ou minimizar riscos, eliminar desperdícios e controlar ou diminuir custos.

“Da porteira para dentro, o produtor brasileiro já é muito bem assessorado sobre técnicas agronômicas. Porém, na parte gerencial, ainda se depende muito da intuição, da emoção… É preciso mudar isso. A agricultura é um negócio de grande volume de recursos. Não dá mais para o produtor contar com a sorte”, resumiu Prado.

Lean para minimizar ou evitar riscos

Segundo os consultores, no “dicionário agro”, a palavra “riscos” têm significados precisos. Trata-se de uma série de problemas e desafios recorrentes que podem comprometer e prejudicar produtividade, sustentabilidade e competitividade. Há diversos tipos de riscos que podem ser mais e os menos controlados pelos produtores.

No caso dos menos controláveis, há os riscos climáticos que, por exemplo, podem gerar alterações na pluviosidade, mudanças não habituais de temperaturas, entre outras manifestações que afetam os ciclos naturais de produção, inclusive aumentando as infestações de pragas e doenças.

Há os riscos de mercado, como transformações na concorrência mundial e nas demandas internacionais, que afetam, por exemplo, a volatilidade de preços. Também os desafios estruturais brasileiros, como as deficiências logísticas, energéticas, as mudanças nas legislações, as novas exigências sanitárias…

“Nesses tipos de riscos, embora produtores não tenham obviamente controle sobre as variáveis, melhorar a gestão pode tornar as propriedades mais fortes para enfrentar os solavancos. É como um prédio, cujas base bem profundas e sólidas resistem melhor às tempestades”, compara Battaglia.

O consultor do LIB explica que, além dos riscos incontroláveis, há, claro, os riscos controláveis. Aqueles cujas variáveis estão, em tese, nas mãos dos produtores. Por exemplo, os processos produtivos precários, com falhas operacionais e ineficiências que, entre outras coisas, enfraquecem a qualidade e competitividade da produção. Nesse caso, trabalhar para melhorar a gestão é quase uma obrigação ou mesmo fator de sobrevivência para o produtor.

“Nesse contexto, um ponto inicial importante é fazer o mapeamento de todos os riscos inerente à propriedade rural e as suas produções, para que se possa acompanhar de muito perto os riscos, incontroláveis ou controláveis, entender os problemas e pensar, cotidianamente, em maneiras de mitigar os possíveis desvios”, resumiu Prado.

Para os consultores, isso é fundamental em todo tipo de negócio agroindustrial, mas ainda mais estrategicamente importante num setor brasileiro em expansão, com relevância nacional e internacional cada vez maior: a produção de grãos.

Só para se ter uma ideia, entre 1990 e 2024, a produção desse setor cresceu 429% no Brasil, enquanto a área plantada aumentou somente 108%, segundo a Companhia Nacional e Abastecimento (Conab). Em 2021, o Brasil foi o maior produtor de soja do mundo, representando 37% da produção mundial. Foi, também, o maior exportador do produto, responsável por 55% da exportação, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA, conhecido pela sigla USDA.

Para Prado e Battaglia, nesse contexto, torna-se, hoje, obrigatório adotar um modelo de gestão que, comprovadamente, melhore processos, elimine desperdícios e agregue maiores e melhores valores aos clientes. Com isso, fortalece-se as propriedades e os produtores, que conseguem gerenciar melhor os riscos incontroláveis, minimizando ou eliminando os controláveis. Segundos os consultores, a gestão lean traz uma série de conceitos e práticas que, se implementados de maneira eficiente e estruturada, num projeto de melhoria da gestão, podem otimizar indicadores, desenvolver pessoas e inspirar novas iniciativas, colocando a organização num caminho de melhor e maior sucesso.

Indicadores robustos e “MFV”

O Head para Agronegócio do LIB, que há quase uma década visita fazendas pelo Brasil apoiando a implementação lean, conta que cases exemplares de adoção lean já mostram aumentos de produtividade maiores que 50%, podendo até mesmo dobrar esse resultado, com diminuição de custos de mais de 30%. Esses e outros macro indicadores positivos são frutos de, por exemplo, economias de até 20% em Compras, reduções de mais de 50% em perdas nas colheitas e diminuição de usos de sementes e adubos de até 15%, aumentando a produtividade e a qualidade do plantio.

Para Battaglia, é essencial entender como a gestão lean pode gerar isso. Um dos conceitos e práticas lean que, na produção de grãos, mais contribuem para tornar indicadores robustos é o Mapeamento de Fluxo de Valor (MFV), uma ferramenta lean que promove um “raio x” de todas as etapas envolvidas nos fluxos de produção, do plantio à entrega ao mercado. Trata-se de uma técnica que permite analisar, em detalhes, todos os aspectos de uma produção de grãos, gerando um conhecimento profundo dos processos, além de tornar claras as etapas produtivas, as conexões e a interdependência entre elas.

Segundo o consultor do LIB, o MFV, se bem executado, gera uma representação visual de todo o fluxo de valor. E faz com que todos saibam qual a interferência – positiva ou negativa – de todos os trabalhos, uns com relação aos outros, o que promove uma integração produtiva entre elos da cadeia.

“Por exemplo, para o tratorista que puxa a grade na preparação do solo, o MFV deixa clara a necessidade de entregar a área em quantidade e qualidade ideais para o plantio que vem a seguir. Para quem fará o plantio, também deixa evidente a necessidade de avaliar o coeficiente de variação entre as linhas de plantio, a taxa de adubação, a profundidade… Tudo isso vira métricas ‘vitais’ que aperfeiçoam toda a produção”, disse Battaglia.

Segundo Prado, é possível e necessário “mapear” todos os processos de uma fazenda. Incluindo os fluxos de valor administrativos. Com isso, identificar, por exemplo, os gargalos e os retrabalhos que ocorrem, por vezes “invisíveis”.

“Mapear fluxos, além de tornar visíveis as etapas e a relação entre elas, é uma ferramenta poderosa para garantir alinhamentos, entendimento sobre o todo e bom desempenho sistêmico”, ressaltou Battaglia.

Kanban: “sinal” de produção fértil

Outra prática lean que já vem sendo utilizada em poucas, mas eficientes fazendas é o famoso (ao menos na indústria) kanban, expressão que em japonês significa “sinal” e indica aos “processos fornecedores” a necessidade de reposição de um item ou insumo consumido pelas “etapas clientes”.

O kanban operam como um eficiente meio de conexão entre etapas, garantindo que somente seja feito “o necessário, quando necessário, se necessário, tendo como elemento gerador a demanda. Para Battaglia, trata-se de um método com intensa aplicação numa fazenda de grãos. Por exemplo, para gerenciar pedidos de compras e reposição de estoques de peças e almoxarifados.

“Itens com alto volume e alta frequência de utilização podem ter seus estoques dimensionados de modo a evitar excessos e desabastecimentos, uma vez que, com o kanban, os cálculos de estoque levam em conta a demanda e a capacidade de ressuprimento. Assim, o produtor evita manter níveis desnecessariamente altos de estoque de alguns itens, bem como se protege contra a falta de itens fundamentais para o trabalho”, exemplifica Battaglia.

Segundo o consultor do LIB, um bom sistema de estoques baseado em kanbans permite que se tenha os insumos, materiais e peças para o trabalho no campo sempre em níveis saudáveis – nem mais, nem menos. Assim, evita-se compras urgentes, fretes extras e paradas por falta de materiais importantes.

Lean Na Producao De Graos | Planeta Campo

Sem erros e “visual”

Prado e Battaglia explicam que o cotidiano de um grande produtor rural é permeado de perguntas por vezes angustiantes, já que a gestão tradicional não consegue respondê-las de maneira certeira: como evitar que um trabalhador rural inicie a jornada de trabalho sem os itens que precisa para a atividade? Como manter todos os locais de produção totalmente organizados e abastecidos com os itens indispensáveis? Como identificar e eliminar problemas assim que eles ocorrem?

Para os consultores, essas e outras perguntas similares são rapidamente respondidas pelas propriedades rurais que já conseguem implementar práticas lean essenciais como poka-yoke, 5Ss, Gestão Visual e Gerenciamento Diário (GD).

Poka-yoke são dispositivos pensados e implementados para evitar falhas ou desvios nos processos, método que complementa os 5Ss, cinco expressões japonesas que descrevem boas práticas cotidianas para uma produção realmente lean – seiri (separar), seiton (organizar), seiso (limpar), seiketsu (padronizar) e shitsuke (disciplinar). Já a Gestão Visual significa representar de maneira visual, transparente e didática a todos (por exemplo, em “quadros”), as atividades de produção e os indicadores de desempenho, para que a situação real possa ser entendida rapidamente por todos os envolvidos. Trata-se de uma aliada do Gerenciamento Diário (GD), que pode ser resumido como um acompanhamento cotidiano, por líderes e liderados, de todo o trabalho definido e desdobrado pela estratégia, para verificar se os resultados esperados estão sendo atingidos e, caso contrário, como corrigir isso.

Para os consultores, implementar tudo isso permite aos produtores garantirem uma organização precisa como um relógio suíço em todo trabalho que ocorre numa fazenda. “O GD, por exemplo, em um plantio e colheita, garante ao produtor e sua equipe saberem, em bases diárias, quanto estamos próximos ou distantes da meta do dia e, por consequência, do objetivo da atividade macro”, resume Battaglia. Segundo ele, variáveis importantes que são inevitáveis em GDs de plantio são a área plantada (em hectares), as horas trabalhadas, a eficiência operacional, os consumos de sementes e de adubo.

“Uma vez identificadas ‘lacunas’ entre o ‘esperado’ versus o ‘realizado’, os quadros de GD ajudam a capturar quais foram os problemas enfrentados pelas equipes no dia que passou. Dessa forma, pode-se evitar que os mesmos problemas ocorram no dia seguinte”, exemplificou o consultor do LIB.

Segundo ele, o conceito que está por trás do GD é o PDCA, sigla em inglês para as expressões em inglês plan, do, check e act, que resumem o ciclo de planejar, executar, aprender e padronizar. Com isso aplicado no contexto da produção de grãos, não somente a performance fica sob controle, como também se tem a oportunidade de desenvolver as pessoas todos os dias.

“Para que possam falar de problemas sem medo. Para isso, é preciso gerar nos indivíduos a segurança psicológica, outra base da gestão lean, estimulando-os e apoiando-os para que consigam revelar e resolver os desvios de maneira eficaz, colaborativa e duradoura”, resumiu Battaglia.

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Reunião de Gerenciamento Diário (GD) “ao pé” dos quadros de gestão visual, em fazenda de soja que vem adotando a gestão lean

A “praga” do desperdício

De acordo com Prado, esses e outros conceitos e práticas lean implementam um sistema de gestão que, cotidianamente, melhora diversos aspectos da produção. Permitem acompanhar tudo o que acontece nos processos, para, assim, ver ou mesmo antever problemas e corrigi-los, antes que gerem prejuízos por vezes incontornáveis.

“Na gestão tradicional do agronegócio, é comum perceber, nas propriedades, muitas perdas, por exemplo, na colheita. Isso, por vezes, não é medido, mantendo-se, ali, um ‘desperdício velado’, não evidente. A ótica lean nos diz que medir, tornar evidente e cotidiana as medições são os primeiros passos fundamentais para se revelar os problemas, pensar e implementar contramedidas. Quem trabalha sob a gestão lean logo percebe que tudo o que não é medido não pode ser aperfeiçoado”, resumiu Battaglia.

“Se a produção rural não for acompanhada no dia a dia com métricas muito bem pensadas, definidas e acompanhadas, de maneira visual, por todos, o risco de perder recursos é muito grande”, complementa Prado.

Para os consultores, quando se mede – e de maneira eficiente – é possível interferir sobre os indicadores, o que gera a diminuição da “praga” do desperdício. Evita-se, por exemplo, compras malfeitas ou emergenciais, geradoras de devoluções, trocas, retrabalhos ou fretes custosos.

“Hoje, por exemplo, uma lavoura de soja de mil hectares pode chegar facilmente a um custo operacional entre 5 e 7 milhões de reais, apenas para tocar o negócio. Então, são operações que envolvem valores altos de capital, o que exige uma gestão muito forte em custos”, estima Prado.

Para ele, a gestão lean, se bem aplicada, otimiza custos porque garante que os recursos disponíveis sejam aplicados na agregação de valor. “E isso é um diferencial muito grande no agro. Reduz riscos e torna a operação mais rentável”, acredita o expert.

Para Battaglia, parte importante dos desafios da gestão do produtor de soja está em ter esse controle sobre os seus custos. Isso não significa apenas ter os custos planilhados, tabulados e mapeados, mas, principalmente, desenvolver a capacidade gerencial para manter os custos sob controle, sem que afete a qualidade da produção ou a capacidade produtiva.

“Então, quando a gente fala de custos, nós estamos falando de realmente reduzir as ineficiências do processo, de resolver problemas sistêmicos, enfim, desperdícios que drenem capacidade e que consumam recursos importantes que poderiam ser aplicados de maneira mais eficiente. Então, gerir custos de maneira saudável é um dos desafios”, resume Battaglia.

O “fertilizante” do conhecimento

Outra prática da gestão lean que pode gerar um diferencial importante na produção de grãos é gerar e gerir conhecimento entre as pessoas nas propriedades. Todos os dias. É que em meio a implementação lean, os trabalhadores estão o tempo todo resolvendo problemas, aprendendo e melhorando os processos. No entanto, na gestão tradicional, poucas vezes registram ou compartilham aprendizado e conhecimento. Assim, também é parte da adoção lean capturar e disseminar esse conhecimento de maneira organizada.

“Isso significa sermos capazes de melhorar o trabalho na linha de frente, no operacional, mas também entender, registrar e divulgar os desafios e aprendizados. Criar um ambiente em que os problemas sejam trazidos à tona, sejam discutidos abertamente, analisados em profundidade”, disse Battaglia.

“Para então chegarmos a boas ideias sobre como resolvê-los. E que tudo isso forme um ‘repertório’ de soluções que possa ser usado por todos em outras situações”, complementa Prado.

Para os consultores, numa grande fazenda, com produção industrial, fica muito mais difícil obter uma evolução operacional se não se desenvolver as pessoas. “E a gestão lean faz com que isso ocorra de forma cotidiana, em meio ao trabalho”, acredita Prado.

Melhorar a gestão, mitigar riscos, combater desperdícios e otimizar os custos na produção de grãos é um desafio com relevância nacional e internacional. Nossa agroindústria é um sustentáculo da economia nacional e internacional. Tanto é verdade que o saldo da balança comercial do Brasil no ano passado foi positivo graças ao agro. Seu superávit de 150 bilhões de dólares sustentou o geral, de 99 bilhões de dólares, porque os demais setores (indústria e serviços) foram deficitários em 51 bilhões de dólares.

Para Prado e Battaglia, a tecnologia já está presente no agro e provavelmente só deve evoluir. As técnicas agronômicas já são uma realidade. No entanto, pouco adiantará tudo isso se a base da produção, ou seja, a gestão, não promover a melhoria contínua, feita por todas as pessoas e em todos os processos. Sem isso, tecnologia e agronomia podem se tornar, inclusive, mais um desperdício. Para os consultores, se produtores tiverem capacidade de manter sob controle fatores sobre os quais eles realmente têm “poder de gestão”, certamente vão estar à frente daqueles que apenas contam com a sorte.

“A parte da gestão, do manejo das atividades, do planejamento, uma boa tomada de decisão, uma boa sistemática de resolução de problemas… isso tudo está sob o controle do produtor”, resumiu Battaglia.

“Se eu não tenho, dentro da minha fazenda, processos bem estruturados que permitam entender no dia a dia os problemas e suas causas, se eu só ‘apago incêndio’ todo dia, é impossível minimizar ou mesmo evitar riscos e ter um negócio sustentável”, acredita Prado.

Nesse contexto, garantem os especialistas, adotar e fortalecer a gestão lean no setor de grãos, assim como em toda a produção brasileira, só trará vantagens. Aos produtores, à sociedade, ao Brasil e ao mundo.

Fonte: Lean Institute Brasil (LIB)