SERÁ QUE É LEGAL?

Mercado de carbono no Brasil terá negociação via bolsa, mas falta regulamentação

Lei que criou o SBCE prevê negociação dos créditos como valores mobiliários, mas CVM ainda precisa definir critérios claros para operação no mercado de capitais

Mercado de carbono no Brasil terá negociação via bolsa, mas falta regulamentação

Desde o fim de 2024, o Brasil tem uma lei que regulamenta o mercado de carbono: o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), criado pela Lei 15.042. O marco legal foi um passo importante, mas ainda há muitas dúvidas sobre como as negociações dos créditos de carbono vão ocorrer na prática. No quadro Será que é Legal?, o jurista Leonardo Munhoz detalha o que já está definido e o que falta esclarecer.

A expectativa é que os créditos – tanto do mercado voluntário quanto os gerados dentro do SBCE – possam ser negociados como valores mobiliários, o que abriria espaço para operações na bolsa de valores. Isso significa que esses ativos passariam a ser supervisionados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da mesma forma que ações e debêntures.

CVM terá papel central na regulamentação do mercado

A menção explícita na lei de que os créditos do SBCE são valores mobiliários é um avanço importante. “Isso já traz um grau de segurança jurídica que não existe, por exemplo, no mercado europeu ou na Califórnia”, destaca Munhoz. No entanto, essa clareza legal precisa ser complementada com regras infralegais, ou seja, abaixo da lei, que detalhem como as operações devem acontecer.

É justamente esse o ponto mais crítico no momento. A CVM precisa publicar normas complementares para definir os critérios, exigências e procedimentos para que os créditos ambientais possam ser transacionados por investidores. Essa regulamentação deve ser construída nos próximos 12 meses, e será fundamental para que o mercado de capitais se torne um canal viável para a comercialização desses ativos.

Fiagro já pode incluir crédito de carbono como ativo

Apesar da falta de uma regulamentação específica, o setor já começa a ver avanços. A CVM permite, por exemplo, que os Fiagros – fundos de investimento do agronegócio – incluam créditos de carbono em sua composição. O mesmo vale para os CBIOs do RenovaBio, que já são utilizados como instrumentos financeiros.

Isso mostra que, aos poucos, os créditos ambientais estão sendo incorporados ao sistema financeiro nacional. Mas ainda há um longo caminho até que esse tipo de negociação seja acessível para produtores rurais e empresas que geram ou consomem créditos de carbono.

Produtor rural ainda encontra barreiras no mercado voluntário

Um dos gargalos destacados por Munhoz é o acesso do produtor rural ao mercado voluntário. Hoje, ele é caracterizado por transações de pequena escala, pouca liquidez e dificuldade para transformar o crédito em dinheiro. A entrada em cena do SBCE deve ajudar a mudar esse cenário.

Com a obrigatoriedade das compensações por parte de setores emissores e a criação de demanda regulada, o mercado tende a ganhar escala, previsibilidade de preços e liquidez. Isso poderá abrir espaço para a venda dos créditos não só diretamente entre emissor e gerador, mas também em um mercado secundário, onde investidores possam atuar.

O desafio é transformar boas ideias em realidade

Para que o SBCE funcione plenamente, será necessário um trabalho robusto de regulamentação e engajamento dos agentes envolvidos. “A ideia é boa, o plano aparece bom, mas o dever de casa é enorme”, reforça Munhoz. A forma como a CVM e o governo vão conduzir essa etapa será decisiva para transformar o crédito de carbono em instrumento eficiente e acessível para a transição sustentável da economia brasileira.

Enquanto isso, o setor produtivo acompanha de perto os próximos passos e torce para que o novo modelo traga segurança, transparência e oportunidade para quem produz com responsabilidade ambiental.