Mudanças Climáticas

O fim da alface? Embrapa alerta para risco real de escassez por causa do calor

Estudo mostra que a sobrevivência da produção de alface dependerá de tecnologia, manejo adequado e ação rápida

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Foto: Envato

O cultivo de alface no Brasil pode enfrentar sérias dificuldades nas próximas décadas por causa do aumento das temperaturas. Um estudo recente da Embrapa Hortaliças traz um alerta preocupante: em cenários intermediários e pessimistas de emissões de gases de efeito estufa, a produção em campo aberto pode se tornar inviável até o fim do século.

A pesquisa utilizou mapas de risco climático elaborados com base em projeções do Instituto Nacional de Meteorologia e em modelos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O objetivo foi entender os impactos do aquecimento global sobre a produção de hortaliças, com foco especial na alface, uma das hortaliças mais consumidas no país.

Nós já estamos vivendo um quadro real de mudanças climáticas. O aumento das temperaturas vai se intensificar ao longo do século, e isso exige ações urgentes para garantir a produção de alface e de outras hortaliças”, alerta Carlos Eduardo Pacheco, pesquisador da Embrapa especializado em mudanças climáticas globais.


Risco maior para Centro-Oeste, Norte e Nordeste

O estudo identificou que o impacto do aquecimento global não será uniforme em todas as regiões do país. De modo geral, Centro-Oeste, Norte e Nordeste são as áreas mais vulneráveis ao aumento da temperatura. Nessas regiões, a tendência é que as condições para o cultivo de alface em campo aberto se tornem críticas mais rapidamente.

De acordo com Pacheco, o levantamento avaliou o sistema de cultivo tradicional, com canteiros e solo exposto, além das cultivares atualmente disponíveis no mercado brasileiro. As projeções consideraram diferentes faixas de temperatura, atribuindo níveis de risco que variam de muito baixo a muito alto. O resultado acende um sinal de alerta para os produtores.


Estratégias para enfrentar o calor

Apesar do cenário desafiador, a pesquisa aponta caminhos para que os agricultores possam minimizar os impactos e manter a produção. As medidas são divididas em dois grupos:

1. Aumento da resiliência climática

São práticas que buscam tornar o sistema produtivo mais sustentável e preparado para enfrentar condições adversas. Entre as principais estão:

  • uso de cultivares tolerantes ao calor;
  • adoção de cobertura de palha no solo, por meio do plantio direto;
  • implantação de sistemas sombreados, como agroflorestas.

2. Aumento da adaptação climática

São soluções mais tecnológicas e artificiais para controlar os efeitos das altas temperaturas:

  • instalação de telas de sombreamento;
  • uso da plasticultura, com filmes plásticos especiais para reduzir o aquecimento do solo;
  • cultivo protegido, como estufas e casas de vegetação, com controle interno de temperatura.

“O produtor precisa se adequar. Não podemos esperar o amanhã para começar a adotar essas estratégias. É necessário agir agora para garantir a segurança alimentar e a sustentabilidade da produção”, reforça Pacheco.


Novas cultivares mais resistentes

Uma alternativa importante está no melhoramento genético das hortaliças. O estudo lembra que a Embrapa já disponibilizou três cultivares de alface com boa adaptação às temperaturas médias projetadas para o país até o fim do século.

Segundo Pacheco, essas variedades podem servir de modelo para o desenvolvimento de novas opções mais resistentes ao calor. Porém, o pesquisador faz um alerta: “Essas cultivares não são adaptadas a todas as regiões. As temperaturas variam bastante no Brasil, por isso precisamos manter um processo contínuo de pesquisa para criar materiais específicos para cada realidade climática”.


Tecnologia como aliada

Além das cultivares adaptadas, o uso de tecnologia pode ser decisivo para garantir a produção de hortaliças no futuro. O cultivo hidropônico e as estufas são alternativas viáveis, mas exigem ajustes para lidar com as mudanças no clima.

Atualmente, muitas estufas funcionam como um “efeito estufa”, aumentando ainda mais a temperatura interna. Para que sejam eficazes, será necessário investir em novas estruturas e em mecanismos de refrigeração, como aspersores de água e condicionadores térmicos.

Marcius Ariel
Repórter do Planeta Campo, do Canal Rural. Produz conteúdo multiplataforma sobre sustentabilidade, com trabalhos realizados nos seis biomas do Brasil.