Produtores do Semiárido recuperam áreas degradadas com adubação orgânica
As técnicas simples e customizadas, utilizando insumos de dentro da porteira, resultaram num incremento de 70% na produção de milho e feijão no município de Ibaretama.
Produtores de municípios do Ceará conseguiram recuperar solos degradados e aumentar a produtividade em pequenas propriedades utilizando a adubação com insumos orgânicos. As técnicas simples e customizadas, utilizando insumos de dentro da porteira, resultaram num incremento de 70% na produção de milho e feijão no município de Ibaretama. O resultado foi observado no período de cinco anos, quando foram colhidas três safras.
Em outra propriedade, em Sobral, a área de uma nascente que já não abastecia a comunidade por estar degradada foi recuperada com o consórcio de leguminosas e milho. A terceira experiência aconteceu em Irauçuba, numa área em processo de desertificação, que já dá sinais de recuperação. Os experimentos foram realizados no Ceará e os pesquisadores da Embrapa afirmam que resultados semelhantes podem ser obtidos em outros estados do Semiárido brasileiro.
Os cientistas explicam que mesmo nas áreas em processo de desertificação, como é o caso do município de Irauçuba (CE), o uso de diferentes estratégias de baixo custo contribui para a melhoria dos atributos do solo, com a manutenção da temperatura e aumento da fertilidade. “Uma área desertificada demora cerca de 50 anos para se recuperar naturalmente, ficando fechada, sem uso. Isso é inviável, por isso estamos trabalhando para a recuperação dos solos com a implantação de sistemas de produção sustentáveis”, explica o engenheiro agrônomo Henrique Antunes, pesquisador da Embrapa Meio-Norte (PI).
Os experimentos dos pesquisadores da Embrapa aconteceram em três municípios do Ceará: Ibaretama, Irauçuba e Sobral. No município de Ibaretama, os cientistas trabalharam em uma área de Caatinga degradada, com solo exposto e sinais de erosão. O engenheiro agrônomo Roberto Cláudio Pompeu, pesquisador da Embrapa Caprinos e Ovinos (CE), explica que a primeira camada do solo é a mais rica e facilmente levada pelas chuvas se o solo não estiver protegido, e que os Sistemas Agroflorestais (SAFs) são uma alternativa para a melhoria dessas áreas.
Na propriedade em questão, a implantação do SAF foi feita com as espécies sabiá e cajá, consorciadas com milho e feijão. O esterco dos animais e a bagana de carnaúba foram utilizados como adubo e o resultado foi um aumento de 70% na produção do milho e do feijão, em um período de cinco anos, quando foram colhidas três safras.
Baixo custo, alto impacto ambiental
A análise dos resultados apontou um aumento do pH das camadas superficial e subsuperficial do solo, em função do uso de esterco de ovelhas. Como alguns solos do Semiárido costumam ser ácidos, o aumento do pH os torna mais adequados ao cultivo. Os pesquisadores também verificaram um incremento dos macronutrientes fósforo, potássio, cálcio, magnésio e do micronutriente zinco, entre outros não apenas na área, mas também na composição das plantas de sabiá.
Em Irauçuba, a situação dos solos é mais grave devido, entre outros fatores, ao desmatamento e à prática de pecuária extensiva com altas taxas de lotação, práticas comuns há várias décadas. Hoje, grande parte do município encontra-se em processo de desertificação (foto acima e à direita), que é o estágio máximo da degradação. Os pesquisadores utilizaram insumos acessíveis, de dentro da propriedade, como adubos verdes. “Trituramos os resíduos de sabiá, jurema e leucena e aplicamos no solo, o que garantiu um enriquecimento da matéria orgânica e a recuperação da fertilidade”, afirma Antunes. Ele explica que cada espécie vegetal tem uma particularidade e que a utilização de diversas delas, conjuntamente, garante melhores resultados.
Essa pesquisa foi feita na propriedade de Francisco de Assis Rodrigues Sousa, entre 2015 e 2016. “Os pesquisadores trabalharam em duas áreas que foram fechadas para que os animais não tivessem acesso. No primeiro ano, foram plantados milho e milheto, e devido ao inverno (período chuvoso) ruim, a produção não foi boa. Mas hoje a gente já percebe que nasceram capim e várias espécies de plantas como algaroba e leucena, sinal de que a área está se recuperando”, afirma o produtor.
Em Sobral, a equipe de pesquisa trabalhou na comunidade Sítio Areias (foto abaixo), já envolvida em outros projetos da Embrapa Caprinos e Ovinos que utilizam metodologias participativas. Assim, em conjunto com os agricultores, foi identificada uma área onde havia uma nascente que precisava ser recuperada. O zootecnista e analista da Embrapa Caprinos e Ovinos Éden Fernandes atuou nesses projetos e relembra que, inicialmente, foram plantadas as espécies nativas jucazeiro, canafístula, aroeira e sabiá. “Em um segundo momento, foi feito o experimento com a implantação das leguminosas cunhã e crotalária consorciadas com milho.”
Técnicas acessíveis a todos os tipos de produtores
Os pesquisadores utilizaram, então, um conjunto de técnicas acessíveis a qualquer produtor para implantar os SAFs na comunidade Sítio Areias, como o consórcio de culturas de plantas nativas em uma área onde havia uma fonte de água quase seca. A agricultora Regina Souza (foto à direita), moradora do local que participou ativamente do projeto, afirma que os resultados são visíveis na comunidade. “Hoje temos árvores nativas plantadas e outras plantas para a alimentação dos animais, além de água em quantidade que dá para o consumo dos animais e das plantações.”
Pompeu explica que o cultivo das leguminosas pode ser utilizado como meio para adubação verde rica em nitrogênio, uma vez que os agricultores da comunidade não costumam aplicar fertilizantes que favoreçam os atributos químicos dos solos. “Por outro lado, o consórcio milho-leguminosas pode também ser alternativa para a produção de silagem, já que o teor de matéria seca médio do consórcio crotalária-milho no momento da colheita ficou em 32,9%, faixa ideal para a ocorrência de processo fermentativo adequado, o que não aconteceu com o consórcio milho-cunhã.”
Os resultados também indicaram que o consórcio crotalária-milho apresentou maior produtividade que o cunhã-milho. Em ambos os casos, observou-se uma média de 12,7% no teor de proteína bruta, número superior ao teor mínimo de 7% para o atendimento das exigências em compostos nitrogenados para o adequado funcionamento do rumem dos animais. Essa produção de proteína pode ajudar a reduzir os custos com a compra de ingredientes proteicos e de adubos nitrogenados para a propriedade.
O plantio conjunto de milho e crotalária demonstrou, de um modo geral, melhores resultados em termos de produtividade e qualidade de material para produção de volumoso. Para uso como cobertura morta superficial no solo, ambos os consórcios são interessantes e uma alternativa viável para promover a ciclagem de nutrientes em sistemas agroecológicos.
Manejo inadequado do solo diminui a produtividade
O manejo inadequado do solo e fatores climáticos são as principais causas da degradação que, em alguns casos, compromete a capacidade produtiva da área. As altas taxas de lotação e o superpastejo, que ocorrem quando há excesso de animais na pastagem, diminuem as plantas herbáceas além de desgastarem a área, às vezes de forma irreversível. O excesso de pisoteio causa erosões com diferentes graus de intensidade e deteriora progressivamente os recursos do solo e da vegetação, reduzindo a fertilidade da área pela diminuição de nutrientes disponíveis para as plantas.
A retirada da cobertura vegetal deixa o solo exposto à força das chuvas, principalmente no Semiárido onde os períodos chuvosos são curtos, mas as precipitações são intensas e contribuem com o processo de erosão. Os pesquisadores explicam que a adoção de sistemas agroflorestais ou roçados agroecológicos podem ser alternativas viáveis para recuperação de áreas em processo de degradação, porque os resíduos das árvores mantidas no sistema de produção formam uma camada de serrapilheira que contribui para a ciclagem de nutrientes no solo. Assim, a aplicação de resíduos de plantas (galhos e folhas) para cobertura do solo é uma estratégia para aumentar a sustentabilidade, além de beneficiar as culturas de interesse econômico, o solo e o ambiente.
Sistemas de produção sustentáveis recuperam solos degradados
O uso de insumos orgânicos como estercos, adubos verdes e palhada é uma alternativa para melhorar as características físico-químicas do solo. De acordo com os resultados obtidos pelos pesquisadores da Embrapa, a utilização desses materiais reduz a temperatura do solo, impedindo o aquecimento excessivo e a perda de água. “Isso é importante porque a temperatura é uma propriedade que afeta diretamente os processos microbiológicos, a germinação e o crescimento dos brotos das plantas”, explica Pompeu. As folhas das espécies mofumbo, sabiá, jurema-preta, jucá, catingueira, pereiro e pau-branco utilizadas como adubo verde também proporcionaram um aumento nos teores de fósforo, potássio, cálcio e magnésio no solo, incrementando assim a fertilidade do solo.
O uso das folhas da serapilheira de espécies lenhosas da Caatinga tem potencial para melhorar os atributos químicos de solos em processo de degradação e, consequentemente, elevar a produção das culturas agrícolas.
A aplicação de resíduos de leguminosas da catingueira, sabiá e jurema preta, incrementa variáveis biométricas, biomassa e a eficiência nutricional de plantas de milho, sorgo e milheto.
Antunes explica que aumentar a produtividade de uma área não significa apenas ter uma safra maior, mas relaciona-se também à estabilidade da produção em sistemas sustentáveis. “A recuperação dos solos com sistemas de produção sustentáveis é o que estamos buscando com nossas pesquisas na Embrapa”, conclui.
Com informações da Embrapa.