Quem mais entende de tecnologia e inovação no agro se não o produtor rural?

Ouvir os produtores rurais é essencial para desenvolver inovações tecnológicas eficazes, adaptadas aos desafios regionais e específicos de cada fazenda

Quem mais entende de tecnologia e inovação no agro se não o produtor rural?

São inúmeras as inovações tecnológicas que surgem todos os dias, mas elas estão conectadas aos desafios que o produtor rural vivencia no campo? Lembrando que, a depender da região do país onde o produtor está, as necessidades e a realidade são diferentes. E, quem dera, as particularidades fossem apenas regionais. Cada fazenda acaba sendo única, quando olhamos para a combinação do seu sistema produtivo, manejos, clima, solo, contexto social, oferta de mão de obra, e assim por diante. Com tantos desafios particulares, uma certeza que a cadeia pode ter é: precisamos ouvir, e ouvir cada vez mais, os produtores rurais.

Para o PwC Agtech Innovation – nosso hub de inovação presente em Piracicaba (SP) e Uberaba (MG) e atuante no Brasil e no mundo via canais digitais – está mais do que claro o quanto os produtores somam aos projetos de inovação. Sejam projetos deles mesmos, das grandes empresas, cooperativas, startups, investidores e demais stakeholders do agro. O grupo For Farmers do Programa Soja Sustentável do Cerrado é um grande exemplo de quanto os produtores agregam quando estão no centro do debate sobre inovação e tecnologia no setor.

O programa For Farmers, para quem não conhece, vem rodando desde 2021 e já contou com a participação de produtores de uva do Vale do São Francisco; de cana do Estado de São Paulo; boi no Centro-Oeste; suínos de Norte a Sul do Brasil, soja no Matopiba, dentre outras culturas e localidades. Apoiado por empresas, esse programa tem como objetivo conectar produtores a startups, para resolver os desafios de antes, dentro e depois da porteira. Todas as dores trabalhadas são indicadas única e exclusivamente pelos participantes e, a partir daí, o papel do Agtech Innovation é entender a fundo esses desafios de impacto econômico e operacional e filtrar quais tecnologias das startups estão efetivamente prontas para serem testadas a campo.

Já tivemos desde dificuldade de cálculo da produtividade da uva endereçada com uma calculadora de visão computacional, até desafio de compra de grãos para ração em uma área de oferta restrita solucionada com marketplaces do agro. E, nesse caminho, tem produtor que se descobre mentor de startups, investidor ou mesmo early adopter de tecnologia e abre as porteiras da fazenda para soluções que fazem sentido para seu negócio.

O case do Programa Soja Sustentável do Cerrado
Na experiência do Land Innovation Fund, co-realizador do Programa Soja Sustentável do Cerrado ao lado do Agtech Innovation, a aproximação com os produtores rurais significou uma virada de chave na construção de novos projetos, que contam com apoio estratégico também da Cargill, Embrapii, Embrapa e CPQD.

“Os produtores rurais que integram o For Farmers do Programa Soja Sustentável do Cerrado participam ativamente das atividades de mentoria, avaliação e testagem dos projetos e iniciativas que compõem o nosso portfólio de startups. Junto com representantes das instituições parceiras do programa, eles têm nos apoiado para eleger as propostas mais relevantes para o dia a dia das fazendas, e contribuem de forma muito importante com a construção das soluções. Desde que eles passaram a integrar o PSSC, conseguimos criar fortes pontos de diálogo entre o campo, a Academia e o mercado para construirmos juntos uma paisagem de inovação para uma agricultura sustentável no Cerrado”, diz Ashley Valle, Diretora do Land Innovation Fund.

Hoje, 21 produtores de soja do bioma do Cerrado fazem parte do grupo de trabalho do PSSC, que estimula a produção sustentável e livre de desmatamento no Cerrado, contribuindo ativamente com a visão do que agrega valor na fazenda para se produzir de forma responsável. De 2023 para cá, quando os produtores passaram a fazer parte do programa, só aumenta a colheita de soluções e de resultados.

Em projeto em curso com a startup Bio2me, por exemplo, o grupo do PSSC está viabilizando a possibilidade de arrendar áreas de excedente de reserva legal preservadas para terceiros com passivos ambientais. A própria agtech foi fundada por um produtor rural, o empreendedor Cláudio Fernandes, que viu a oportunidade de formar um ecossistema de negócios em torno do ativo ambiental que era sua fazenda. Hoje, a Bio2me realiza voos de drone para identificar o perfil das áreas dos clientes e faz a gestão de projetos não só de arrendamento de áreas de reserva legal, mas de atividades da bioeconomia (a exemplo da exploração de castanhas e processamento de produtos da mata preservada, como baru e fava d’anta), para industrialização de alimentos, cosméticos e medicamentos.

O case por si só já é muito interessante, mas curioso também é como ele nasceu. A Bio2Me foi selecionada para participar do PSSC em 2023 e, depois da divulgação do seu trabalho nas mídias sociais do PwC Agtech Innovation, acabou sendo acionada por um produtor rural de fora da iniciativa. Conversa vai, conversa vem, o empreendedor sugeriu a entrada deste produtor no For Farmers e ele foi aceito, incorporando o desafio de rentabilizar seu ativo ambiental ao escopo do programa. No Agtech Innovation, usamos não à toa a hashtag #ConexãoGeraInovação, que fala do nosso potencial de rede.

Em outro projeto do PSSC, os produtores do programa vêm apoiando a edtech Já Entendi Agro – juntamente com o LIF, Embrapa, Rede ILPF, Cargill e ABIOVE – na criação e disseminação da série “Agricultura de Baixo Carbono” a ser lançada em maio. Serão cursos com coordenação científica do Programa SolloAgro da ESALQ/USP e do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon) da USP e da FAPESP, e com metodologia Já Entendi® para tornar o ensino acessível a pessoas com baixa escolaridade. A meta é capacitar, por meio do aplicativo Já Entendi AGRO, o time mais operacional da fazenda e não somente o produtor.

Quando o assunto é carbono e sustentabilidade, os produtores não têm medo de tocar na ferida. Ouvimos deles – e os depoimentos estão gravados nos nossos podcasts (sobre SustentabilidadeSucessão e Legado em parceria com a Agrishow Labs), para quem quiser saber mais, que existe muito compromisso da cadeia produtiva para “deixar um bônus e não um ônus para as próximas gerações” e que o caminho é “se unir, pela regionalidade e interesses comuns, para criar sistemas mais resilientes e colocar os produtores pequenos, médios e grandes como protagonistas do processo de adoção de tecnologia no campo.

Por isso, o nosso convite é para que a cadeia ouça mais e mais o produtor e a produtora rural. Porque ele e ela são peças fundamentais para nortear os projetos de inovação, mas também porque é nossa responsabilidade promover a democratização do acesso à tecnologia e a construção de soluções que, de fato, entreguem valor, produtividade e rentabilidade para quem está na ponta. A tecnologia precisa chegar para os grandes e os pequenos.

Se temos, segundo o Censo Agropecuário de 2017, quase 70% dos produtores brasileiros de menor porte respondendo por cerca de 25% da produção agrícola nacional – cultivando hortifrutis, café, milho – é preciso sermos inclusivos. É responsabilidade de toda a cadeia, do setor público e do setor privado, não deixar qualquer parcela de produtores para trás, o que vai depender de investimentos em infraestrutura, conectividade, gestão, capacitação técnica. Um trabalho de todos e de cada um em prol da inovação e do acesso.

Como o nosso hub pode fazer a diferença? Acreditamos que, justamente, ouvindo e entendendo as dores mais latentes dos produtores rurais. Nosso objetivo é continuar mais e mais trazendo os produtores rurais para o centro do debate, dando ferramentas para que eles se tornem protagonistas na adoção de tecnologias – seja testando soluções já prontas, seja mentorando o desenvolvimento e evolução das startups, seja expondo para o ecossistema, incluindo as corporações, os desafios que têm impactado diretamente sua produção. É disso que se trata a inovação aberta: trabalharmos juntos e ouvindo as necessidades de todo o ecossistema, a fim de colaborar com startups, grandes empresas, Academia e outros atores, escalando soluções que resolvam problemas concretos atuais e futuros.

Fonte: Maurício Moraes e Dirceu Ferreira Júnior