UE quer exigir desmatamento zero e dificultar regras à carne brasileira
Caio Penido, presidente do Imac, conversou com o Planeta Campo sobre barreiras à carne brasileira na União Europeia
O Instituto Mato-Grossense da Carne (Imac) está em uma missão pela Europa com o objetivo de mostrar os prejuízos que a “Proposta para regulamentação de produtos livres de desflorestamentos” pode trazer para a segurança alimentar global, para a economia brasileira, para o desenvolvimento regional e, sobretudo, para cadeia produtiva da carne, presente em todos os municípios mato-grossenses e composta, em mais de 70%, por produtores rurais de pequeno e médio porte.
A preocupação dos representantes do Imac é que tal proposta seja aprovada sem que haja um diálogo com os agentes brasileiros que estão no processo produtivo. Ou, ainda, que a proposta de boicote tire do mercado agentes legais, uma vez que as ferramentas para fiscalizar ainda não estão definidas e estruturadas.
Em participação ao vivo no Planeta Campo nesta segunda, dia 13, direto da Europa, Caio Penido explicou quais são as propostas do Brasil para o bloco e a urgência da missão. “A questão é que essa legislação europeia já está sendo discutida há muito tempo com o banco europeu e agora, dia 28, no final do mês [de julho] tem uma reunião da comissão e nessa reunião pode ser startado algum processo de aprovação. Então a gente vem nos 45 minutos do segundo tempo aqui tentar explicar algumas questões: primeiro que compartilhamos dessa preocupação, a gente não se coloca contra a preocupação, a gente é contrário à estratégia. Então os dois pontos principais é valorizar a nossa biodiversidade. Então a gente não quer que essa biodiversidade seja valorizada por boicote, boicote que se sobrepõe à legislação brasileira, que passa pelo desmatamento zero. Eles não querem produtos que tenham passado por desmatamento, então, no caso do boi, o abate direto já é rastreado, já é verificado para a carne exportada e eles querem começar agora a rastreabilidade desde o nascimento e impondo desmatamento zero. Mesmo se o produtor desmatar legalmente esse produto vai estar excluído do mercado europeu”.
Penido destaca que exigências como essa excedem às exigências da legislação brasileira e, se implementadas, deveriam recompensar os produtores rurais por meio de ferramentas como os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA). “Se quiser conservar mais do que a legislação brasileira já garante tem que ser através do Pagamento pelos Serviços Ambientais. (…) A nossa forma de olhar é que [a Amazônia] é um estoque de carbono, então se esse estoque de carbono presta um serviço ambiental essencial para a humanidade, para o planeta, ele tem que ser remunerado. Então se quiser chegar no desmatamento mínimo aí, no desmatamento zero, implementar o código florestal, combater o ilegal e o que for legal tem que ser permitido. Não é que nós obrigatoriamente iremos desmatar, mas tem que ser permitido para que a gente consiga valorizar os serviços ambientais, que é essa nova commodity que o Brasil está sentado em cima da riqueza, uma riqueza escassa nos outros países e abundante no Brasil”.
Confira a participação de Caio Penido no Planeta Campo:
Desde a semana passada o presidente do Imac, Caio Penido, o diretor técnico operacional, Bruno de Jesus Andrade, e o consultor jurídico da entidade, Bruno Galvão, participam de reuniões em Bonn, na Alemanha. Nesta semana, juntamente com o secretário de Estado de Desenvolvido Econômico (Sedec), César Miranda, os representantes estão passando por Bruxelas, na Bélgica, para se reunirem com representantes de países como Holanda, Portugal, Dinamarca, além do Parlamento Europeu.
Rastreabilidade
O tema da rastreabilidade animal também é outro ponto sensível da proposta discutida pela União Europeia e que pode afetar os pecuaristas de pequeno porte. “A questão também da rastreabilidade para o produtor, quando a imposta com relação ao bezerro, se um produtor, um grande produtor, já tem dificuldade de regularizar a sua propriedade imagina um pequeno produtor que não tenha acesso à assistência técnica para regularização ambiental, jurídica? Então a gente também está pedindo prazo para que isso aconteça, o maior prazo possível, e que a gente crie já os mecanismos, como um termo aí que o produtor se comprometa a se adequar e, a partir do momento em que ele demonstrar que está nesse caminho, ele possa continuar fornecendo nesse mercado formal. Se não, vai terminar jogando esse produtor de bezerro na ilegalidade, na informalidade e aí, uma vez que ele estiver sem dinheiro, no vermelho, e não conseguir ficar no verde, ele vai terminar desmatando mais. Então é um risco de um efeito colateral contrário à intenção”, explicou Caio Penido.
Conceder um prazo para os produtores se adequarem poderia evitar uma injustiça comercial, ressalta o presidente do Imac. “Concordamos com a preocupação em relação a escassez de biodiversidade, nós temos essa biodiversidade, então vamos valorizar e vamos permitir que o nosso pecuarista se adeque e tenha tempo de se adequar para que não ocorra uma injustiça comercial. Como que você consegue continuar comprando de países como Austrália, Estados Unidos, Uruguai e Argentina, que eles desmataram quase tudo e você impede a compra de um país como o Brasil, que está tentando frear exatamente esse modelo de desenvolvimento insustentável que nasceu na Europa? Então, a Revolução Industrial começou na Europa, A Colonização Europeia começou na Europa. Então eles criaram um modelo insustentável e agora eles perceberam que tem que parar. E ao invés de apoiar o país que está tentando frear esse modelo que eles inventaram, que é um país que tem 66% do território destinado à conservação e que tem um Código Florestal, então vamos ajudar esse país nessa vanguarda”.
Para Caio Penido, o Código Florestal Brasileiro é uma inovação global na qual as empresas e os produtores rurais são responsáveis pela conservação. “É uma terceirização da conservação que o governo jogou na mão da iniciativa privada e isso é fantástico, agora vamos reconhecer, valorizar para não polarizar e não ter o Brasil como um outro polo desse debate global. Europa, vamos tratar o Mato Grosso, vamos tratar o Brasil como aliado, por favor”, pediu ele.
Outra ponto relevante destacado por Penido está relacionado a valorização da proteína animal produzida no Brasil e, em especial, pelos produtores mato-grossenses. “A gente tem que estar na mesa de debate para dialogar e para a gente conseguir vender melhor os nossos produtos. Então essa carne de Mato Grosso que garante conservação, o Mato Grosso tem aí mais de 60% do seu território destinado à conservação, essa carne deveria na verdade ter um prêmio”.
Segurança alimentar
As altas taxas de produtividade e a conservação ambiental andam lado a lado no Brasil e garantem a produção de alimentos em larga escala, o que contribui para diminuir a insegurança alimentar no mundo, que vem aumentando depois do início dos conflitos no leste europeu. O mundo hoje está mais preocupado com segurança alimentar, então vamos tentar vir nessa reta final [da missão na Europa] mostrando essas duas coisas: o mercado de créditos de carbono está se fortalecendo e a questão de segurança alimentar está aumentando. A gente percebeu, depois do início da Guerra, diplomatas aí de outros países indo para Mato Grosso preocupados com a possibilidade de produzirmos mais alimentos. A gente está vendo na Europa e nos Estados Unidos mudanças de legislação que autorizam o plantio em áreas que estavam destinadas ao pousio, então a preocupação global agora é que precisamos de comida e o Mato Grosso e o Brasil podem produzir mais conservando biodiversidade, essa biodiversidade que presta esses serviços ambientais e que regulam o clima mundial”, disse Caio.
A intenção do Imac é mostrar por meio de conversas diplomáticas o que o Brasil tem feito de bom com relação a produção sustentável de alimentos. “É bom estarmos na mesa com diplomacia climática, mostrando o que nós temos de bom, mostrando o que temos de problemas, mas mostrando soluções. E o Imac também vem mostrar que tem programas que estão ajudando aí na implementação do Código Florestal no estado com a intensificação das áreas abertas com baixa produtividade, melhora no balanço de carbono, redução da idade ao abate, rastreabilidade, então essa é a agenda do Imac, promover a carne de Mato Grosso combatendo essas vulnerabilidades. Então é biodiversidade, gases de efeito estufa e rastreabilidade. A gente foca muito nesses três temas e queremos que a União Europeia siga os passos do Imac, ajudando, auxiliando e não boicotando”, finalizou Caio Penido.
Iniciativas sustentáveis
Grande parte dos produtores da Carne de Mato Grosso atua em acordo com a legislação brasileira e, atualmente, 77% das unidades industriais e mais de 90% dos abates em Mato Grosso atendem ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne ou aos critérios do Protocolo de Monitoramento.
Além do TAC, outras iniciativas desenvolvidas por agentes públicos e privados serão apresentadas durante a visita, como o programa Boi na Linha, que visa implementar a rastreabilidade da cadeia produtiva e criar critérios de auditoria e fiscalização. A rastreabilidade é tema principal dos esforços do IMAC e preocupação de toda a cadeia, que envida esforços para ampliar sua abrangência.
São projetos e programas desenvolvidos por entidades como Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Imac e pelas indústrias frigoríficas que têm contribuído tanto para reinserção dos produtores no mercado formal da carne, quanto para ampliar a produtividade, aumentando a produção por área e em menor tempo.
Nos últimos anos, a produção de carne em Mato Grosso tem melhorado os índices produtivos e isso tem relação direta com a sustentabilidade ambiental e econômica do negócio. O volume de arrobas produzidas por hectare, por exemplo, quadruplicou. Em 1997, Mato Grosso produzia 1,1 @/ha, ano passado esse volume passou para 4,2 @/ha.
Outro importante dado é a redução da idade de abate dos animais. Em 2011, 5% dos animais abatidos em Mato Grosso tinham até 24 meses, 49% tinham de 24 a 36 meses e 46% tinham mais de 36 meses. Em 2021, essa proporção passou para 37% dos animais com menos de 24 meses, 42% animais com idade entre 24 e 26 meses e somente 22% do total abatido tinham mais do que 26 meses.
Tais resultados são frutos de exigências do mercado por um gado mais jovem (China) simultaneamente a investimentos em tecnologia e têm proporcionado menor pressão sobre os recursos naturais, redução das emissões de gases de efeito estufa por unidade animal, além de melhorar os índices produtivos das propriedades, elevando a rentabilidade da atividade.
Carne de Mato Grosso
Com rebanho comercial de 32 milhões de animais, Mato Grosso é o maior produtor e exportador de carne bovina. Em 2021, o estado produziu 1,2 milhão de toneladas, o que representou 16,18% do total produzido no Brasil.
Cerca de 30% da produção é enviada para mais de 70 países, o que gerou receita de US$ 1,72 bilhão ano passado. Além da importância com relação à segurança alimentar, a cadeia produtiva da carne também é de extrema relevância para geração de empregos e renda para a população e receita para o Estado.
Imac
Criado em 2016, o Instituto Mato-Grossense da Carne (Imac) promove a valorização da carne a partir de ações de pesquisa e desenvolvimento, informação e marketing. O Serviço Social Autônomo tem como missão promover a carne bovina de Mato Grosso, valorizando-a de forma segura a partir de ações e desenvolvimento, informação de marketing.
*Com informações do Imac