Vinicultores do interior de SP apostam em mercado sustentável
Experimento realizado pela APTA em São Roque vem comprovando viabilidade do manejo agroecológico
Antes da pandemia, a Estância Turística de São Roque, no interior de São Paulo, recebia mais de 700 mil turistas por ano. Em 2022, a famosa rota do vinho espera voltar a receber uma grande quantidade de público. E a produção de vinho sustentável promete contribuir com essa missão ao despertar o interesse de consumidores preocupados com a preservação ambiental.
Uma pesquisa conduzida pela Agência Paulista de Tecnologias dos Agronegócios (APTA) vem provando que é possível realizar o cultivo agroecológico de uvas na região, assim como já é realizado em outros países. “O que nós vemos é que já é uma realidade no exterior, 15% do vinho francês é produzido nesse sistema de manejo agroecológico ou orgânico. Então nós não estamos prevendo o futuro, nós estamos nos adiantando ao presente. Então é um tipo de produto que vai ter o seu espaço reservado e, sim, o consumidor vai demandar mais por esse tipo de manejo”, acredita Willian Triches, professor de enologia do Instituto Federal de São Roque, que contribuiu com a APTA no experimento.
O experimento começou em 2017, mas foi lançado oficialmente no ano passado. Atualmente, a área dedicada ao cultivo agroecológico do vinho já ocupa 4 mil m² da APTA na região de São Carlos e rendeu 150 garrafas de vinho.
De acordo com um produtor rural do município, a produção vem sendo bem sucedida, mesmo em meio às adversidades da região. “O que antigamente se pensava ser muito caro, ser inviável, eu vi que através dessa parceria entre sindicato e prefeitura, parceiros e a APTA conseguiu provar que é possível. (…) Porque uma coisa é você plantar a uva em um determinado local, mas você não consegue trazer aquela receita e plantar aqui. Aqui a gente tem um fator clima, a gente sofre muito com o orvalho. Então o orvalho acaba ficando aquela umidade na planta e trazendo as doenças. Resolvemos isso com a cobertura, que é uma das coisas que a gente acabou trazendo aqui para a propriedade e hoje a gente já está sentindo os reflexos disso, [tanto na] questão de economia numa produção de uva e também a questão de qualidade do fruto”, afirmou Alex Moraes, produtor de vinho.
Quanto às características do vinho produzido de modo sustentável, Willian Triches diz que há diferenças em comparação à bebida que resulta do manejo convencional. “No caso do vinho tinto percebemos uma coloração mais intensa do que normalmente nós observamos no manejo convencional. E outro ponto é que o fruto estava muito sadio, então foi muito mais fácil o processamento dessa uva com fruto sadio em relação ao convencional. Então o vinho ficou mais fresco e mais interessante por conta disso”, afirma ele.
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Viabilidade econômica
O vinho agroecológico produzido em São Roque ainda não está disponível para o consumidor final, pois a viabilidade financeira da produção ainda está sendo analisada. ”Qualquer pessoa pode vir aqui e visualizar que foi possível o cultivo de uva agroecológica e o vinho também. Agora todo mundo nos pergunta, e aí pesquisadores, é economicamente viável fazer essa forma de cultivo e produzir o vinho seguindo essas diretrizes? Então nós estamos nesse passo agora, foi possível ser feito, o passo dois agora é demonstrar a viabilidade econômica dessa forma de manejo”, diz Willian.
Nos últimos 40 anos a cidade de São Roque perdeu 90% dos vinhedos e a pesquisa conduzida pela APTA espera reverter esse cenário com o cultivo ecológico. Um dos vinicultores da região, Gustavo Borges, também acredita que a produção de vinhos possa voltar a crescer na cidade e gerar oportunidades para os pequenos produtores devido ao interesse dos consumidores por produtos mais sustentáveis. “Essa é uma forma do pequeno produtor se distanciar um pouquinho das grandes indústrias, das grandes redes de varejo, dos supermercados, é tendo um vinho que agrega outros valores, além da qualidade dele. E falar em natureza, falar em sustentabilidade, é sim agregar valor”, acredita ele.
Para além do vinho, a produção orgânica também pode ser uma realidade viável para o setor de HortiFutri. “Hoje em dia eu poderia dizer com segurança que para hortaliças e frutas, tudo que é mais comum na mesa do consumidor brasileiro, aquilo que é produzido na agricultura familiar, a Embrapa, parceiros e instituições de pesquisa já têm desenvolvido tecnologias que me permitem dizer com segurança que é possível produzir com qualidade e com uma produtividade que não deixa em nada a desejar. E quando a gente pensa numa escala maior, a gente já tem experiência com soja, com cana, e a gente percebe que, apesar de alguns desafios, também é totalmente possível, desde que a gente coloque esforços nestas frentes também”, afirma Ednaldo Araújo, pesquisador da Embrapa Agrobiologia.
Pilares da produção agroecológica
De acordo com o pesquisador da Embrapa, a produção orgânica tem três pilares: econômico, ecológico e social. “Para produzir um produto orgânico você tem três pilares, um deles a sustentabilidade econômica, então todos os esforços do agricultor, do governo, das instituições de pesquisa, têm se voltado para se obter a sustentabilidade econômica; O outro ponto é a sustentabilidade ecológica, então é dever do agricultor e também do governo, das instituições de pesquisa, buscar metodologias, técnicas práticas e processos que, além de conservar, possam melhorar o meio ambiente, evitando a sua degradação; e um terceiro [pilar é] maximizar os benefícios sociais”, explica Ednaldo Araújo.
Ele também fala sobre a transição do cultivo convencional para o agroecológico para os agricultores que desejam investir nesse nicho. “A gente chama esse período de conversão, o agricultor que deseja produzir um alimento que seja saudável e que não tenha contaminantes, que vai melhorar o sistema para se tornar cada vez mais sustentável, ele deve iniciar com um período de conversão. Então ele vai usando técnicas agroecológicas, ele ainda não tem um selo de um produto orgânico, por exemplo, mas ele vai fazendo um processo de forma gradativa, aumentando suas áreas e colocando as práticas agroecológicas, inclusive podem contar com as instituições de pesquisa e ensino para essas capacitações”, afirma o pesquisador.
Confira o programa Planeta Campo com a participação de Ednaldo Araújo: