Um novo conceito tem ganhado espaço nos debates sobre sustentabilidade no campo: a agricultura regenerativa. O termo está cada vez mais presente em conferências internacionais, relatórios corporativos e até em painéis das Nações Unidas. Mas o que pouca gente sabe é que o Brasil já pratica, há muitos anos, as bases do que hoje é chamado de agricultura regenerativa — só que com outros nomes.
A agricultura regenerativa vai além da sustentabilidade tradicional. Ela busca restaurar a saúde do solo, aumentar a biodiversidade e criar sistemas agropecuários mais resilientes. Quem explica essa abordagem é o engenheiro agrônomo Luís Eduardo Rangel, membro do Conselho Científico do Agrosustentável, que conversou conosco direto de Bonn, na Alemanha, onde acontecem eventos preparatórios para a COP30.
“Regenerar significa reabilitar áreas para seu maior potencial produtivo, com foco principalmente no solo — seja em fertilidade, seja em matéria orgânica. O objetivo é manter a capacidade desse solo sustentar a atividade agropecuária ao longo do tempo”, explica Rangel.
Mais que um nome: um conceito que se adapta às necessidades atuais
O termo “agricultura regenerativa” pode soar novo, mas a prática é familiar aos brasileiros. No país, há décadas se adotam técnicas como o plantio direto, rotação de culturas, integração lavoura-pecuária-floresta e manejo do solo com foco na conservação. Essas são justamente as práticas que, sob a ótica atual, se enquadram no conceito regenerativo.
O que muda, na visão do especialista, é a roupagem conceitual, muitas vezes moldada pelo marketing internacional. “Isso é muito curioso. Os países criam ‘apelidos’ para práticas sustentáveis como forma de promover seus produtos e atender às demandas do mercado global. O Brasil faz agricultura regenerativa há tempos, só não usava esse nome oficialmente”, destaca Rangel.
Segundo ele, o movimento começou no início do século XX com termos como agroecologia, evoluiu para a chamada “climate-smart agriculture” (agricultura inteligente para o clima), cunhada pelos americanos, e mais recentemente ganhou a versão europeia, a “agricultura regenerativa”.
No Brasil, essa abordagem sempre esteve presente nas políticas públicas, principalmente por meio do Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), que promove práticas sustentáveis e de conservação do solo.
Valor por hectare e acesso a mercados verdes
Além do impacto ambiental, a agricultura regenerativa também oferece vantagens econômicas. Ao melhorar a qualidade do solo e reduzir os impactos ambientais, a fazenda pode aumentar sua produtividade no longo prazo. E, mais do que isso, pode se posicionar melhor em mercados internacionais exigentes.
Rangel explica que o mundo vive agora uma nova onda de demandas sobre o setor de alimentos. A primeira foi a da segurança alimentar — produzir comida em quantidade. A segunda, a da segurança dos alimentos — garantir qualidade e ausência de contaminantes. A próxima, já em curso, será guiada pela sustentabilidade.
“A próxima onda vai embarcar a sustentabilidade como exigência dos consumidores, especialmente nos mercados europeu e americano. E provar que esses produtos têm essa pegada regenerativa será essencial”, afirma.
Essa necessidade de comprovação abre espaço para a medição de indicadores objetivos. O principal deles é a saúde do solo — fator-chave da agricultura regenerativa. Um solo com boa matéria orgânica, fertilidade adequada e baixo risco de erosão é também um solo mais produtivo e resiliente.
A partir desses dados, surge uma nova fronteira: a certificação ambiental. Com ela, produtores conseguem acessar mercados que pagam mais por produtos sustentáveis e também podem obter acesso a fundos verdes, criados para financiar atividades que contribuem para a mitigação das mudanças climáticas.
O Brasil como exemplo real
A trajetória brasileira na adoção de boas práticas agropecuárias tem sido uma vantagem competitiva, mesmo sem usar o nome “regenerativa”. Técnicas amplamente difundidas no campo brasileiro há anos agora ganham novo valor diante das exigências globais. E é justamente nesse ponto que o país pode se destacar ainda mais.
Ao alinhar suas políticas públicas com a medição de indicadores ambientais e a certificação internacional, o Brasil tem tudo para se posicionar como referência mundial em agricultura regenerativa, transformando conhecimento técnico em valor de mercado — e, claro, em benefício ao meio ambiente.