Problema das pastagens no Brasil é cultural, afirma especialista
Janaína Martuscello explicou durante o evento Agropecuária do Futuro que um dos mitos da pecuária é acreditar que os pastos não precisam ser tratados como lavoura
As diversas tecnologias, técnicas de manejo e boas práticas de conservação das pastagens que podem contribuir com a sustentabilidade da pecuária foram o foco das discussões do segundo dia do evento Agropecuária do Futuro.
A degradação dos pastos é um dos principais desafios do setor para mitigar as emissões de metano dos bovinos. E o secretário adjunto de inovação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Cléber Soares, afirmou que a expectativa do governo é recuperar em torno de 30 milhões de hectares até 2030, como parte das metas do Plano ABC+.
Para melhorar o cenário atual, Janaína Martuscello, zootecnista e professora da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), acredita que os pastos precisam ser tratados como lavouras. “O problema da degradação de pastagens no Brasil é muito cultural. De forma geral, a nossa pecuária tem alguns mitos e um dos grandes mitos que existem na pecuária é, justamente, achar que as nossas plantas forrageiras não precisam de reposição de nutrientes ou não precisam ser tratadas como lavoura”, afirmou Janaína.
No entanto, a zootecnista também lembrou que essa realidade já está mudando com a adoção de novas tecnologias. “A questão não está tão catastrófica, como muitas vezes a gente coloca, porque a gente já está nessa virada de chave. O pecuarista já está entendendo que pasto é lavoura e que o dinheiro é capim. A gente só precisa fazer essas tecnologias chegarem até ele”.
Maurício Nogueira, sócio-diretor da Athenagro, também concorda com a visão de Janaína e acrescentou que no ano passado, os prejuízos com pastos degradados foram muito grandes. “A gente estima que, em 2021, o produtor perdeu de R$ 23 a R$ 24 bilhões de reais com o processo de degradação, sejam nos estágios iniciais ou finais da degradação”, declarou.
Como evitar a degradação dos pastos
Para evitar a ocorrência de pastagens degradadas, Janaína deu algumas dicas. Caso o pecuarista perceba falhas no pasto, menor capacidade de taxa de lotação, incidência de plantas invasoras ou queda no desempenho dos animais, é necessário ficar atento, pois estes são os primeiros sinais de que o pasto precisa de cuidados.
Nesse momento, é importante fazer uma análise de solo para verificar a necessidade de calagem ou adubação para evitar o início do processo de degradação e a necessidade de realizar uma recuperação total no futuro, que é uma medida bem mais onerosa para o pecuarista.
De acordo com Maurício, há cerca de 30 milhões de hectares de pastagem em estágio inicial de degradação e é importante frear esse processo logo no início.
Confira o painel dedicado aos debates sobre a recuperação de pastagens no Brasil no segundo dia do evento Agropecuária do Futuro:
Desafios e oportunidades
Caso o Brasil conseguisse recuperar toda a área de pastagens degradadas, esse espaço poderia ser aproveitado também para outros fins, além da produção de proteína animal. “Se a gente recuperar tudo o que a gente tem de pastagem degradada no Brasil, nós não temos mercado para tanto boi. Então o que a gente tem que fazer é liberar essas áreas para outros usos, como o reflorestamento e a produção de grãos”, avaliou Janaína Martuscello.
Já Maurício Nogueira chamou a atenção para a situação dos pequenos produtores, que, provavelmente, ficariam às margens dessa mudança. “Nós temos algumas dificuldades que a gente precisa enfrentar com um pouco mais de pragmatismo. Porque eu concordo que o pecuarista está consciente, mas a gente precisa melhorar o acesso às finanças para que ele consiga investir nesse processo [de recuperação das pastagens]. Mas a quantidade de pasto que vai ser melhorado tende a empurrar aquele que não conseguiu acompanhar para exclusão, essa é uma preocupação grande que a gente tem com o pequeno produtor”, refletiu.
A pecuária brasileira vem conquistando muitos ganhos em produtividade, mas isso ainda não é realidade para a maioria dos pecuaristas. “Se a gente pegar todo o espectro de pecuaristas, a maior parte está em crise. Então nós temos uma ponta que está conseguindo responder usando todos esses conceitos, essa é a ponta que a gente consegue conversar, mas nós temos um contingente enorme daqueles que a gente não está conseguindo sensibilizar ou viabilizar. Então nós temos um pecuarista indo bem, mas um pecuarista indo mal”, ponderou Maurício.
Janaína também chamou a atenção para a necessidade de levar informação aos pequenos produtores. “Eu acho que está faltando é o conhecimento mesmo. Aquele pecuarista que está na ponta, esses que a gente tem acesso, eles têm acesso à tecnologia por várias vias. Mas nós temos uma grande parte dos nossos pecuaristas que estão de fato desassistidos. Então uma coisa que me dói muito, que a gente observa, é o pecuarista tentando resolver um problema que a academia, as Embrapas, já resolveram, só que não chegou até ele. (…) Além de estar desassistido, ele está descapitalizado e isso é um processo que ele é oneroso, esse processo de recuperação, então a gente precisa trabalhar numa questão social para que a gente consiga fazer que os nossos pastos, que a nossa pecuária, seja sustentável econômica ambiental e socialmente”, concluiu ela.
Confira o segundo dia do evento na íntegra:
A série de lives Agropecuária do Futuro continua nesta quinta-feira, dia 24, falando sobre os riscos e oportunidades com as legislações na produção de alimentos. Então, acompanhe ao vivo pelo site do Canal Rural, a partir das 17 horas.