Insegurança alimentar na América Latina cresce mais que o nível mundial

Quando o assunto é acesso à alimentação saudável, o nível de insegurança alimentar na região da América do Sul atingiu números preocupantes

Insegurança alimentar na América Latina cresce mais que o nível mundial

Quando o assunto é acesso à alimentação saudável, o nível de insegurança alimentar na região da América do Sul atingiu números preocupantes. O Planeta Campo conversou com a Daniela Godoy, Oficial Sênior de Políticas Públicas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura sobre este tema.

Confira a entrevista na íntegra abaixo.

1. QUANDO A GENTE FALA EM FALTA DE ACESSO A ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL, DO QUE EXATAMENTE A GENTE ESTÁ FALANDO? DE QUE NÍVEL DE INSEGURANÇA ALIMENTAR ESTAMOS FALANDO?

Bom, primeiro… começamos falando que é um conceito muito relevante e que está associado ao direito à alimentação adequada que é a segurança alimentar da população. O conceito de segurança alimentar significa ter acesso físico, econômico e de outra ordem aos alimentos, não somente à quantidade necessária para a nutrição e à saúde das pessoas mas também no que diz respeito à qualidade nutricional que se requer. Essa ideia se associa ao conceito de alimentos nutritivos e no que é uma alimentação saudável. Quando falta o acesso físico, seja por condições geográficas ou porque as pessoas não podem acessar alimentos nutritivos pela falta de recurso econômico, e há uma inacessibilidade a esses alimentos, isso produz uma piora da situação de segurança alimentar e aí entra o conceito que nós entendemos e incorporamos nesse relatório que é a prevalência da insegurança alimentar seja moderada ou grave.

2. NÚMEROS PREOCUPANTES, SIM?

Sim, de fato eu queria comentar que temos três principais conclusões que eu gostaria de compartilhar deste relatório que nós realizamos na FAO junto a cinco agências de Nações de Unidas durante o ano de 2022. O primeiro, é que percebemos que há um aumento, tanto da fome quanto da prevalência da insegurança alimentar moderada ou grave na América Latina e no Caribe desde o ano de 2014, e a alta se acentua no contexto da pandemia de Covid-19 entre os anos de 2019 e 2021, que é o último ano que consta no relatório. Em segundo lugar, é muito importante sinalizar que a prevalência na insegurança alimentar da região está se sobrepondo à insegurança alimentar mundial, portanto, são números preocupantes que nos desafiam a encontrar soluções para acelerar o cumprimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável.

Em terceiro lugar, é importante destacar que o custo de uma alimentação saudável é mais alto a nível regional na comparação com alimentação saudável no mundo ou em outras regiões e isso é preocupante em um contexto de uma situação econômica muito complexa em que se encontra a região onde sabemos que há uma alta nos preços que sabemos e que, mesmo tendo visto uma baixa nos últimos meses, eles se mantém sobre os níveis de anos anteriores e, além disso, há outros temas sociais envolvidos como a questão da inflação, portanto, essa poderia ser uma conclusão também a se ressaltar. E, por último, gostaria de ressaltar também que temos outros desafios em matéria nutricional que também devemos destacar sobre essa região que é o problema de sobrepeso. A prevalência da obesidade em crianças menores de 5 anos e em adultos, verificada a partir de suas massas corporais, que constam como informação nesse relatório. A região se encontra por cima do ranking mundial em sobrepeso. Aí está portanto um tema que temos que abordar porque gera consequências para a saúde pública e também para a economia dos países que são relevantes.

A obesidade é multifatorial e depende de muitos fatores e está associada também aos transtornos alimentares, isso quer dizer que há muitos aspectos determinantes que estão associados a condições econômicas, sociais é importante destacar que o acesso, tanto físico quanto econômico a uma dieta saudável também é importante para uma boa nutrição e nesse sentido são tão importantes as políticas públicas que nós “ao longo de todo processo de alimentos que são produzidos para que sejam consumidos… mas que tenhamos as políticas públicas para melhorar os transtornos alimentares e entregar, por exemplo, informação às pessoas sobre os alimentos que estão consumindo.

3. QUAL O PAPEL DA AGRICULTURA FAMILIAR PRA REVERTER ESSE QUADRO, ESPECIALMENTE, QUANDO A GENTE FALA EM ALIMENTAÇÃO ESCOLAR E COMO QUE A GENTE ESTÁ HOJE AQUI NA AMÉRICA LATINA NESSE TEMA?

A agricultura familiar é fundamental pra melhorar a qualidade de vida e melhorar a renda das comunidades, mas ela também cumpre um papel fundamental para que se siga uma dieta saudável nessas comunidades e, naturalmente também, para o que diz respeito à crise climática. E, nesse sentido, eu gostaria de mencionar que dentro do quesito das políticas públicas que nós abordamos, nós trazemos recomendações para poder melhorar a situação de segurança alimentar e nutricional que incorporamos através de um panorama nesse relatório e é importante destacar que fizemos muito para enfatizar a relevância de se orientar que a produção de alimentos seja uma produção de alimentos mais nutritivos e aí está o papel da agricultura familiar que é fundamental porque, com certeza, a atividade contribui para colocar à disposição das pessoas esses alimentos em diferentes regiões e colocar à disposição também alimentos das próprias regiões para supermercados locais melhorando o acesso físico e econômico a esses alimentos na comunidade ou, por exemplo, por meio de programas de alimentação. Aí entra o exemplo de como que incorporando a agricultura familiar em um sistema de compras públicas em programas de alimentação escolar, nós melhoramos o cardápio do que é oferecido nas escolas e, dessa maneira, também aumentamos o acesso a alimentos nutritivos e a uma dieta saudável por meninos e meninas.

4. NO BRASIL, DESDE 2009, OS MUNICÍPIOS DEVEM, POR LEI, COMPRAR PELO MENOS 30% DOS PRODUTOS DA AGRICULTURA FAMILIAR PARA ALIMENTAR SEUS ALUNOS./ ISSO VEM SENDO CUMPRIDO? / SE SIM, O QUANTO JÁ CONTRIBUIU COM ESSA SITUAÇÃO DE INSEGURANÇA ALIMENTAR AO MESMO TEMPO EM QUE APOIA A AGRICULTURA FAMILIAR?

Eu gostaria de destacar que essa é uma política pública que visa alimentos nutritivos e em melhorar a situação e a segurança alimentar de estudantes, por isso que na FAO temos dividido essa experiência através de um projeto que é muito importante da cooperação Brasil/FAO. E nós podemos dividir esse tipo de iniciativa com outros países da região para que se sejam implementados também em outros países e esse tipo de política são aquelas políticas que nós recomendamos e sugerimos para que possamos melhorar a implementação de uma dieta saudável. Mais especificamente, nós dedicamos parte desse relatório para dividir essa experiência por um lado, contribuindo para melhorar a entrada da sociedade e naturalmente a cooperação da comunidade e, por outro lado, melhorar a segurança alimentar dos países.

Temos enormes desafios e há diferentes conceitos que abordamos no relatório, um diz respeito aos custos de uma dieta saudável e o outro está relacionado à “acessibilidade” e dizer como os custos de uma dieta saudável podem influenciar ou diminuir o acesso, principalmente das pessoas mais vulneráveis já que são as pessoas com menos recursos que, precisamente, investem uma proporção maior de dos seus recursos em alimentos. Portanto, quando nos encontramos em uma situação em que os preços dos alimentos nutritivos são mais altos ou há uma situação em que há um contexto de alta nos preços e é importante poder contribuir com medidas de proteção social sensível à nutrição para apoiar a alimentação dessa família e, por outro lado, é importante mencionar, por exemplo, as diferenças que vemos entre mulheres e homens, já que as mulheres têm maior prevalência em insegurança alimentar nos dois casos mais que os homens e essa diferença é mais alta nos países da América Latina e Caribe na comparação com a diferença que existe no mundo. Portanto aí também há um desafio de poder abordar essas políticas públicas com enfoque em gênero.