Mitigação de Emissões de Gases de Efeito Estufa e o agro regenerativo no Brasil – parte 1

O artigo explora a evolução das estratégias globais para promover a mitigação das emissões de gases de efeito estufa, abordando as principais iniciativas internacionais, como o Acordo de Paris, e o papel do Brasil nesse processo. O artigo destaca a importância de energias renováveis, eficiência energética, e, principalmente, as práticas agrícolas sustentáveis, como o Plano ABC+ e o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas (PNCPD). Além disso, discute a relevância do mercado de carbono, tanto regulado quanto voluntário, como ferramenta essencial para impulsionar a mitigação de emissões e gerar renda para produtores rurais. Através de um tom alarmante e emergencial, o texto ressalta a urgência de ações efetivas para enfrentar a crise climática global e regional.

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Introdução

A crise climática que estamos enfrentando está avançando a uma velocidade alarmante, e as consequências estão se tornando inescapáveis. Secas devastadoras, enchentes frequentes e incêndios florestais incontroláveis (obviamente agravados por ações criminosas!) são apenas alguns exemplos do impacto das mudanças climáticas que afetam o Brasil e o mundo. Para impedir que a temperatura média global continue subindo para níveis catastróficos, a mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) não é apenas necessária; é urgente. Este artigo explora as principais estratégias globais e o papel do Brasil na redução das emissões, destacando os desafios, as oportunidades e a urgência de ação.

  1. O Conceito de Mitigação Climática

Mitigação climática refere-se a ações que visam reduzir ou prevenir a emissão de GEE na atmosfera. Isso inclui a promoção de tecnologias e práticas sustentáveis, bem como a transição para uma economia de baixo carbono. No contexto das negociações internacionais sobre mudança do clima, a mitigação é uma das principais frentes de combate ao aquecimento global, ao lado da adaptação e da resiliência. A redução das emissões de GEE é essencial para evitar um aquecimento global descontrolado e seus impactos irreversíveis no meio ambiente, nas economias e nas sociedades.

  1. Acordos Internacionais de Mitigação: Protocolo de Quioto e Acordo de Paris

2.1 Protocolo de Quioto

Adotado em 1997, o Protocolo de Quioto foi o primeiro tratado internacional que estabeleceu metas obrigatórias para a redução das emissões de GEE para países desenvolvidos. Ele introduziu os mecanismos de mercado, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), permitindo que países desenvolvidos financiassem projetos de mitigação em países em desenvolvimento em troca de créditos de carbono. No entanto, Quioto falhou em incluir os maiores emissores emergentes, como Estados Unidos, China e Índia, e não conseguiu mitigar efetivamente as emissões globais.

2.2 Acordo de Paris

Com o fracasso de Quioto em conter as emissões globais, a COP21, realizada em Paris em 2015, resultou no Acordo de Paris, um marco para as negociações climáticas. O Acordo envolve todos os países do mundo, que devem apresentar Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) para reduzir suas emissões de GEE. Ao contrário de Quioto, que impunha metas apenas para países desenvolvidos, o Acordo de Paris reconhece a responsabilidade compartilhada, mas diferenciada, e incentiva a participação de todas as nações. Seu principal objetivo é limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C.

No entanto, apesar da promessa do Acordo de Paris, as NDCs atuais não são suficientes. O Sexto Relatório de Avaliação do IPCC mostra que, com os compromissos atuais, o mundo está a caminho de um aumento de temperatura de 2,7°C até o final do século. Isso seria catastrófico, especialmente para países vulneráveis como o Brasil, que já está sofrendo com os impactos das mudanças climáticas.

  1. Principais Estratégias de Mitigação

3.1 Energias Renováveis

Uma das principais estratégias globais para a mitigação das emissões de GEE é a transição para fontes de energia renováveis, como a energia solar, eólica, hidrelétrica e biomassa. A substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis reduz drasticamente as emissões de CO₂, o principal GEE responsável pelo aquecimento global.

3.2 Eficiência Energética

Outra abordagem fundamental para a mitigação é a promoção da eficiência energética, que envolve o uso de tecnologias e processos que demandem menos energia para realizar as mesmas tarefas. A modernização de edifícios, a substituição de equipamentos obsoletos e a adoção de veículos elétricos são exemplos de como a eficiência energética pode reduzir significativamente as emissões.

3.3 Florestamento e Reflorestamento

A captura de carbono por meio de florestas é outra estratégia vital. As florestas agem como sumidouros de carbono, removendo CO₂ da atmosfera e armazenando-o em árvores e no solo. O reflorestamento, a recuperação de áreas degradadas e a proteção das florestas existentes são fundamentais para garantir a captura de carbono.

3.4 Agricultura e Pecuária Regenerativas

A agricultura e a pecuária regenerativas são práticas que restauram a saúde do solo, aumentam a biodiversidade e capturam carbono. Técnicas como rotação de culturas, plantio direto e manejo de pastagens sustentáveis ajudam a sequestrar carbono e melhorar a resiliência dos ecossistemas, além de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Essas práticas promovem a regeneração natural dos solos e florestas, aumentando a sustentabilidade e produtividade a longo prazo.

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  1. Mercado de Carbono

O mercado de carbono representa uma das principais inovações para promover a mitigação de emissões, incentivando as reduções através de mecanismos de mercado. Este mercado (que é dividido entre o regulado e o voluntário, como mostrado abaixo) permite que empresas e países que emitirem menos do que suas metas vendam seus créditos de carbono para aqueles que excedem seus limites.

4.1 Mercado Regulado

O mercado regulado de carbono é estabelecido sob acordos internacionais, como o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que foi vigente de 2008 a 2020, por exemplo, permitiu que países desenvolvidos investissem em projetos de redução de emissões em países em desenvolvimento e obtivessem créditos de carbono para cumprir suas metas de redução de emissões. No Acordo de Paris, o Artigo 6 introduz novas regras para a criação de um mercado internacional de carbono.

4.2 Mercado Voluntário

O mercado voluntário de carbono, por outro lado, permite que empresas e indivíduos comprem créditos de carbono para compensar suas emissões, mesmo que não estejam sujeitos a regulamentações obrigatórias. Este mercado tem crescido rapidamente, à medida que mais empresas se comprometem com metas de carbono neutro e compensação de emissões. No Brasil, o mercado voluntário oferece uma oportunidade crucial para o setor agrícola, especialmente por meio da agricultura regenerativa, que sequestra carbono no solo e gera créditos de carbono que podem ser comercializados. Essa é uma oportunidade de gerar renda adicional para produtores rurais ao mesmo tempo que contribui para a mitigação das mudanças climáticas.

  1. O Papel do Brasil na Mitigação de Emissões

O Brasil, por ser um dos maiores emissores de GEE da atualidade (apesar de ter menos responsabilidade histórica), tem um papel central nas negociações climáticas internacionais e na mitigação das emissões globais. Grande parte de suas emissões decorre do desmatamento e das atividades agropecuárias, o que torna crucial a adoção de políticas que incentivem a transição para práticas agrícolas mais sustentáveis e a proteção de suas florestas.,

5.1 Plano ABC+, Agricultura de Baixo Carbono e o PNCPD

Plano Abc - Agricultura De Baixo Carbono

O Plano ABC+ (Agricultura de Baixo Carbono) é uma das iniciativas mais promissoras do Brasil para a mitigação de emissões no setor agropecuário. Esta política pública visa a implementação de práticas agrícolas sustentáveis que reduzam as emissões e aumentem a captura de carbono. A segunda fase do Plano ABC, conhecida como ABC+, tem metas mais ambiciosas e inclui a recuperação de pastagens degradadas e a adoção de sistemas integrados como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF).

Uma das iniciativas dentro do Política de Baixo Carbono do Brasil que merece destaque é o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas (PNCPD). O Brasil possui em torno de 90 milhões de hectares de pastagens degradadas, que, se recuperadas, poderiam sequestrar grandes quantidades de carbono e aumentar a produtividade agrícola. Este programa é crucial não apenas para reduzir as emissões, mas também para garantir a segurança alimentar e a resiliência climática do país.

5.2 REDD+ e ARR (Atividades de Reflorestamento e Reflorestamento Agrícola)

O Brasil também desempenha um papel crucial na conservação de suas florestas por meio do mecanismo REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). O REDD+ oferece incentivos financeiros para países em desenvolvimento que reduzem suas emissões ao evitar o desmatamento e promover a recuperação de áreas florestais. Esta iniciativa é vital para proteger a Amazônia, que é um dos maiores sumidouros de carbono do mundo.

Outro componente essencial é o ARR (Atividades de Reflorestamento e Reflorestamento Agrícola), que promove o plantio de árvores em áreas agrícolas e a recuperação de áreas degradadas. Ao combinar o uso de árvores com a produção agrícola, o ARR ajuda a sequestrar carbono, melhorar a qualidade do solo e aumentar a biodiversidade.

  1. Estudo de Caso: Mercados de Carbono no Brasil

6.1 Mercado Regulamentado

O Brasil foi um dos maiores beneficiários do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) sob o Protocolo de Quioto, com inúmeros projetos de reflorestamento, energia renovável e eficiência energética. O Artigo 6 do Acordo de Paris abre novas possibilidades para a criação de um mercado internacional de carbono, no qual o Brasil pode desempenhar um papel de liderança, mas ainda parece estar muito longe de ser implementado. Há pouca esperança que o mecanismo entre em vigor na COP29, deste ano (em Baku, Azerbaijão). É mais provável que a discussão continue se arrastando até a COP30, a ser realizada em Belém do Pará, em 2025.

6.2 Mercado Voluntário

No entanto, o mercado de carbono voluntário também representa uma oportunidade significativa para o Brasil, especialmente no setor agrícola. A adoção de práticas regenerativas, como a Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e Pecuária-Floresta (IPF), a recuperação de pastagens degradadas, culturas de cobertura, dentre outras, pode gerar créditos de carbono que são altamente valorizados no mercado global. Produtores rurais que adotam práticas de agricultura regenerativa não apenas contribuem para a mitigação das mudanças climáticas, como também têm a oportunidade de obter uma renda adicional significativa. A regeneração do solo, a captura de carbono e a restauração de ecossistemas degradados são práticas que promovem sustentabilidade, ao mesmo tempo que aumentam a produtividade e a resiliência das terras agrícolas.

Esse mercado voluntário de carbono é visto como um dos mecanismos mais promissores para integrar o setor agrícola na luta global contra as mudanças climáticas. No entanto, é fundamental que esse mercado seja regulado com rigor, garantindo que os créditos de carbono reflitam reduções reais de emissões e que as práticas agrícolas adotadas sejam verdadeiramente regenerativas e sustentáveis.

7. Conclusão: Um Chamado à Ação

Call To Action

Estamos diante de um ponto crucial na luta contra a crise climática. O tempo para agir está se esgotando rapidamente, e as consequências da inação já são sentidas de forma alarmante. O Brasil, com sua vasta extensão territorial, sua biodiversidade única e seu papel crucial no mercado agrícola global, tem a oportunidade – e a responsabilidade – de liderar os esforços de mitigação de emissões de gases de efeito estufa.

A agricultura de baixo carbono, impulsionada pelo Plano ABC+ e o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, oferece uma solução poderosa para um dos maiores desafios do país. O uso de práticas regenerativas no setor agropecuário, associado ao crescimento do mercado de carbono voluntário, pode transformar o Brasil em um líder global na mitigação das emissões e na proteção dos recursos naturais.

No entanto, o sucesso dessas iniciativas dependerá de uma combinação de políticas públicas robustas, incentivos econômicos, monitoramento rigoroso e, acima de tudo, da conscientização e do engajamento dos próprios produtores rurais. Precisamos de um compromisso coletivo – de governos, empresas, agricultores e sociedade civil – para enfrentar a crise climática e garantir que as gerações futuras tenham um planeta habitável.

A janela para agir está se fechando, e cada ano de atraso nos empurra mais perto do colapso climático. A mitigação das emissões não é mais uma escolha – é uma necessidade urgente e inadiável.

 

Renato Rodrigues
Renato Rodrigues Biólogo, Doutor em Geociências e Pós Doutor em Sistemas de Gestão Sustentáveis. Atualmente é Gerente de Desenvolvimento de Mercado da Agoro Carbon, professor convidado da Fundação Dom Cabral e da Universidade Federal Fluminense e membro do UNFCCC Roster of Experts.