Será que é Legal?

Recomendação do MPF sobre REDD no Pará expõe lacunas na lei de carbono

Ministério Público Federal questiona contrato firmado pelo governo do Pará, enquanto especialistas defendem que cláusulas suspensivas impedem a caracterização de venda antecipada.

Recomendação do MPF sobre REDD no Pará expõe lacunas na lei de carbono

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou que o estado do Pará suspenda a venda de créditos de carbono oriundos de um projeto REDD+ jurisdicional. A alegação é de que a negociação pode configurar venda antecipada, o que é vedado pela Lei nº 15.542/2023, que rege o mercado de carbono regulado no Brasil. No entanto, segundo o pesquisador Leonardo Munhoz, da FGV Agro, o contrato firmado pelo estado com uma coalizão internacional apresenta cláusulas suspensivas, o que pode afastar a ilegalidade da operação.

O projeto do Pará prevê a venda de créditos gerados a partir da redução de desmatamento em uma área determinada do estado, prática reconhecida como REDD+ jurisdicional. Esse modelo é distinto dos projetos individuais feitos por empresas ou produtores rurais. A intenção é que os recursos da negociação sejam destinados a comunidades locais, pequenos produtores, povos indígenas e quilombolas. No entanto, o MPF entende que o contrato firmado — chamado de ERPA (Environmental Results Payment Agreement) — antecipa valores, o que não seria permitido.

O que diz a lei e onde está a controvérsia

A recomendação do MPF se baseia no artigo da nova legislação que proíbe a venda antecipada de créditos REDD+ jurisdicionais. No entanto, segundo Leonardo Munhoz, a própria lei permite que créditos possam ser objeto de negociação contratual, desde que a venda esteja condicionada a verificações e critérios técnicos. “O contrato do Pará estabelece preço fixo de US$ 15 por tonelada, mas inclui cláusulas suspensivas que exigem validação dos créditos antes da concretização da venda”, afirma.

Na prática, isso significa que o contrato só será efetivado caso os créditos se mostrem válidos e adicionais — ou seja, se representarem de fato uma redução comprovada de emissões. “Essas cláusulas suspensivas são comuns em contratos de REDD+ e impedem que a operação seja considerada venda antecipada”, explica Munhoz. O pesquisador compara a situação a operações com CPR (Cédula de Produto Rural), que também preveem pagamento futuro com base em condições preestabelecidas.

Falta jurisprudência e regulamentação detalhada

Apesar da análise técnica, o especialista lembra que a Lei 15.542 foi sancionada recentemente e ainda não há jurisprudência consolidada sobre sua aplicação. A ausência de decisões anteriores sobre casos semelhantes dificulta a interpretação legal e aumenta a insegurança jurídica em projetos de carbono promovidos por estados e municípios. “A controvérsia revela lacunas na própria lei, que precisarão ser sanadas pela regulamentação infralegal”, ressalta Munhoz.

O pesquisador lembra que países como Costa Rica e Colômbia já desenvolveram experiências semelhantes de REDD+ jurisdicional, com apoio internacional e resultados positivos. “O Brasil tem potencial para liderar esse tipo de política, mas precisa de um marco legal claro e operacional”, conclui.

Próximos passos e expectativa no setor

Enquanto o caso do Pará segue em análise, a recomendação do MPF levanta um sinal de alerta para outros estados que planejam iniciativas semelhantes. A definição do que é ou não uma venda antecipada — especialmente em contratos com cláusulas suspensivas — será decisiva para o futuro do mercado de carbono regulado brasileiro.

A regulamentação da lei deverá estabelecer critérios mais claros para a negociação de créditos jurisdicionais, dando maior segurança a entes públicos e investidores. “É natural que essas dúvidas surjam no início da implementação, mas precisamos avançar com base técnica e jurídica”, afirma Munhoz. O tema deve ganhar destaque nos debates sobre clima e descarbonização, inclusive em fóruns internacionais como a COP 30.