Um novo estudo liderado pela Embrapa Semiárido alerta para um cenário preocupante: 46% das doenças que atingem as lavouras brasileiras devem se tornar mais severas até o final do século, como consequência direta do aquecimento global. A pesquisa analisou mais de 300 patossistemas em 30 cultivos agrícolas diferentes e mostrou que o clima mais quente favorecerá a proliferação de doenças e pragas, impactando culturas como morango, manga, mamão, uva, abacaxi, soja, milho, café, entre outras.
Quem traz os detalhes é a pesquisadora Francislene Angelotti, que destaca a necessidade de regionalizar os estudos e monitorar de perto cada área produtiva. “A gente percebe que muitos vetores transmissores de doenças, como os insetos, podem ter o ciclo de vida acelerado com o aumento da temperatura, o que aumenta o risco para as lavouras”, explicou a especialista ao Planeta Campo.
Caminho Verde: recuperação de áreas degradadas é estratégia complementar
A entrevista ocorre no mesmo momento em que o governo federal lança o programa Caminho Verde, com a meta de recuperar 40 milhões de hectares de áreas degradadas em dez anos, priorizando a agricultura sustentável. A proposta prevê pagamentos por serviços ambientais, parcerias com o setor privado e o fortalecimento de cadeias produtivas regenerativas — medidas que dialogam diretamente com o alerta da Embrapa.
Segundo Francislene, é essencial que políticas públicas sejam embasadas pela ciência, como o fortalecimento de programas de vigilância fitossanitária, com foco regional. “As doenças mudam de comportamento com o clima. Uma praga que hoje não causa grandes perdas em determinada região pode se tornar devastadora com o aumento da temperatura média”, pontua.
Manejo integrado de pragas ganha ainda mais importância
Entre as medidas de adaptação mais urgentes, a pesquisadora destaca o uso do manejo integrado de pragas (MIP). A técnica consiste na combinação de controle químico, biológico e cultural para reduzir danos às lavouras. “O manejo precisa ser cada vez mais integrado, sustentável e atento às mudanças no comportamento dos patógenos”, reforça Francislene.
Ela lembra que o monitoramento constante, o uso de sistemas de alerta climático e a diversificação dos cultivos são estratégias fundamentais para enfrentar os novos desafios. “Sistemas consorciados e que aumentam a biodiversidade ajudam a manter o equilíbrio ecológico e reduzem a pressão das doenças”, explica.
Cultivos tropicais e temperados estão sob ameaça
O estudo mostra que não importa se a produção ocorre no semiárido nordestino ou em regiões mais frias como o Sul do país: todas as áreas podem ser afetadas. “Temos videiras sendo cultivadas tanto em Petrolina quanto no Rio Grande do Sul, e ambas devem ser monitoradas de formas diferentes, mas igualmente cuidadosas”, exemplifica Francislene.
A pesquisadora cita casos como o míldio em alface, que era comum apenas em climas amenos, mas já tem sido registrado com frequência mesmo em temperaturas elevadas. “Isso indica uma adaptação dos patógenos e uma possível perda da resistência genética das plantas”, alerta.
Ciência precisa embasar a formulação de políticas públicas
Para Francislene, a ciência deve nortear a criação de políticas agrícolas mais resilientes. Ela defende a implementação de programas de vigilância regionalizados, voltados para monitoramento, prevenção e resposta rápida a surtos de doenças.
“O clima está mudando, e com ele, o comportamento das pragas. É fundamental antecipar essas transformações para reduzir riscos econômicos, sociais e ambientais”, afirma.
No contexto do Caminho Verde, iniciativas que integram produção e conservação podem não apenas frear a degradação, mas também oferecer respostas concretas aos desafios impostos pelas mudanças climáticas à agricultura brasileira.