CRISPR: conheça a surpreendente técnica de edição genética

CRISPR é uma das técnicas mais modernas para a edição genética de diversos organismos, incluindo plantas.

CRISPR: conheça a surpreendente técnica de edição genética

 

O sistema CRISPR tem enorme potencial de acelerar o melhoramento genético de plantas, auxiliando os agricultores a superarem os principais desafios que acometem as lavouras.

Desafios como sensibilidade ao calor, ao estresse hídrico, susceptibilidade a pragas e doenças são apenas alguns dos problemas que já estão sendo estudados em plantas, empregando a nova técnica.

Além disso, o sistema CRISPR deve auxiliar na recuperação da biodiversidade, através do desenvolvimento de novos germoplasmas e até novas culturas. Com isso, as plantas desenvolvidas com essa nova técnica poderão contribuir não apenas nos desafios agrícolas, mas também nas questões ambientais.

Na sexta-feira, 25, Othon Abrahão, diretor de biotecnologia da CropLife Brasil, enfatizou a técnica em entrevista ao Planeta Campo e falou sobre o quão benéfica ela está sendo para a sociedade e os agricultores que a utilizam.

“CRISPR possibilita pequenas mudanças, que podem ser confundidas com as que já existem na natureza para que as plantas, animais ou até mesmo o homem possa superar o ambiente daqui um tempo”, disse Othon.

A ferramenta CRISPR

O “Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Espaçadas” ou CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) é uma região do genoma das bactérias caracterizada pela presença de sequências (de DNA – ácido desoxirribonucleico) curtas e repetidas. 

Cientistas descobriram que essa região atua como um sistema de defesa de bactérias, em que pedaços de DNA de vírus invasores são inseridos entre as repetições. São usados como se fossem uma “memória” numa infecção futura. Quando uma nova infecção ocorre, as bactérias produzem enzimas (Cas9 é a mais conhecida) que atuam como tesouras moleculares que carregam a “memória” do vírus. Com isso, se o novo invasor apresentar sequências idênticas a alguma dessas “memórias”, o material genético será picotado pela enzima.

Baseado nesse mecanismo de defesa das bactérias, os cientistas descobriram como informar a essas enzimas (Cas9 e outras) a sequência a ser editada em um genoma. A informação ocorre por meio de uma sequência de RNA (Ácido Ribonucleico) que é construída e sintetizada em laboratório.

Esse RNA é chamado de RNA-guia (sgRNA), pois é construído de acordo com a sequência de DNA a ser modificada, ou seja, um ou mais genes de interesse. Dessa maneira o sgRNA pode conduzir, por exemplo, a proteína Cas9 até uma região do genoma do organismo que está sendo modificado e cortar a dupla fita de DNA.

As células possuem mecanismos naturais de reparo de sequência de DNA, que são ativados toda vez que este é danificado. Uma vez que o DNA é cortado pela proteína Cas9, o sistema de reparo dessa célula é ativado e vai “consertar” o fragmento alvo. Esse reparo pode acontecer por recombinação homóloga ou não homóloga.

Na recombinação homóloga a célula utiliza um molde de fragmento de DNA, que pode ser natural da célula ou exógeno. Neste caso é possível inserir genes. Já na recombinação não homóloga a célula apenas une as duas extremidades do fragmento de DNA. Neste caso é possível inativar genes.

Ao estudar esse sistema, os pesquisadores compreenderam como utilizar esse mecanismo para quebrar regiões específicas de um DNA. Dessa forma, foi possível desenvolver diferentes sistemas CRISPR, capazes de editar o genoma de qualquer organismo vivo.

Aplicação de CRISPR em plantas

A primeira demonstração da tecnologia CRISPR em plantas ocorreu em 2013. No trabalho em questão, foi desenvolvido um sistema CRISPR/Ca9 para plantas. Uma vez estabelecido, foi possível modificar quatro genes diferentes no genoma de uma cultivar de arroz e um gene numa cultivar de trigo. A pesquisa foi desenvolvida no Instituto de Genética e Biologia da Academia Chinesa de Ciências, pela equipe da Dra Caxia Gao em Pequim.

Desde então, os cientistas que trabalham com melhoramento genético de plantas, passaram a ter acesso a uma ferramenta capaz de introduzir modificações pontuais no genoma de plantas. As características que já foram modificadas pela edição do genoma incluem: aumento de rendimento, qualidade e resistência ao estresse biótico e abiótico.

Vantagens do CRISPR

Aumento de rendimento

O aumento de rendimento, ou seja, maior produtividade por planta, é um fator complexo e que depende de muitos genes relacionados ao número, tamanho, peso e outras características que interferem no desenvolvimento do fruto ou grão. No entanto, a tecnologia CRISPR tem sido utilizada com sucesso na obtenção de plantas com maior rendimento em seus produtos que incluem: tomate, couve, milho, trigo e arroz.

Melhora na qualidade

A qualidade de um alimento é bastante afetada pela forma de produção e pode variar de acordo com os insumos utilizados. Mesmo assim, é possível aumentar a qualidade de nutrientes em uma planta.

Até o momento, as melhorias de qualidade pela edição do genoma afetaram o teor de amido no milho e no arroz, a fragrância do arroz e a durabilidade do tomate. Assim como, aumento na concentração de carotenoides em variedades de citros, tomate, uva e melancia e menor teor de glúten no trigo.

Resistência ao estresse biótico e abiótico

Desenvolver plantas resistentes ou tolerantes a estresses como falta de água, altas temperaturas e doenças causadas por microrganismos melhoram o rendimento e a qualidade dos alimentos.

Modificações genéticas usando a técnica de CRISPR já tem resultado em cultivares de citros, cacau, pepino, trigo, arroz e tomate resistentes a doenças fúngicas e bacterianas. Um milho tolerante a seca e um arroz tolerante a regiões com alta concentração de metais pesados também foram desenvolvidos, empregando CRISPR.

Um exemplo citado por Othon é da Castanha Americana, estava sendo atacada por fungos e sofrendo com o ambiente, quando houve a alteração possibilitou que ela vivesse melhor e em ambientes que antigamente não seria possível.

Os resultados do CRISPR já são encontrados no campo

Técnicas para editar e modificar o DNA são utilizadas desde a década de 1980, ou seja, a edição genética não é algo novo. No entanto, o sistema CRISPR pode ser considerado revolucionário por permitir a manipulação de genes com maior precisão, rapidez e menor custo.

Essa praticidade promoveu o rápido avanço da tecnologia, que teve seu primeiro produto agrícola analisado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) em 2016. Um cogumelo que não escurece foi desenvolvido pela técnica de CRISPR. Desde então, muitos produtos agrícolas geneticamente editados têm sido analisados pelo USDA.

Em 2018, o Brasil teve o seu primeiro produto agrícola resultado da tecnologia CRISPR, avaliado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Trata-se do milho editado geneticamente com maior concentração de amilopectina.

A inovação da tecnologia CRISPR não pára

Quando nos referimos a edição genética por CRISPR, é comum mencionarmos o “CRISPR-Cas9”. No entanto, Cas9 é apenas uma das tesouras moleculares que podem ser acopladas ao CRISPR.

Conforme o entendimento da tecnologia aumentou, outras tesouras foram sendo descobertas. Além disso, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento de técnicas moleculares e softwares de bioinformática foram capazes de auxiliar na construção de diferentes sistemas CRISPRs, priorizando características das diversas variedades vegetais.

Hoje a tecnologia CRISPR já é considerada um complexo de ferramentas que podem ser adaptadas de muitas maneiras, criando diversos “editores de DNA” e eliminando cada vez mais os efeitos indesejáveis.

Além disso, o CRISPR não tem sido utilizado apenas para edição genética mas, também como uma nova via para identificar genes ou regiões específicas do genoma que poderão ser interessantes para o melhoramento vegetal.

As diferentes tesouras moleculares do CRISPR

Algumas proteínas que são utilizadas como tesouras moleculares no sistema CRISPR são: Csf1, Cas3, Cas10, Cas12a, mas existem muitas outras. A famosa proteína Cas9 pertence a classe 2, tipo II e pode ser separada em até três subtipos A, B e C, dependendo de como o sistema é montado. Além disso, uma única tesoura pode ser otimizada para diferentes espécies vegetais e realizar diferentes ações.

Dessa forma, os sistemas CRISPRs podem ser agrupados de acordo com suas características:

  • Filogenéticas: referente ao organismo de origem. Por exemplo, a proteína Cas9 de Streptococcus pyogenes é diferente da Cas9 de Escherichia coli e reconhece diferentes regiões no DNA.
  • Estruturais: referente à conformação do sistema CRISPR + tesoura.
  • Funcionais: referente ao tipo de ação realizada no genoma.

A descoberta e o desenvolvimento de diferentes proteínas que fazem parte do sistema CRISPR é de extrema importância para:

  • Reconhecimento de diferentes regiões do DNA;
  • Realização de diferentes tipos de cortes no DNA;
  • Identificação de atividade em diferentes temperaturas;
  • Maior facilidade de manipulação;
  • Aumento de especificidade para determinados organismos;
  • Oportunizar a descoberta de novos tipos de atividade.

Algumas tesouras recém descobertas, ainda não foram avaliadas ou não foram completamente adaptadas para serem utilizadas em organismos vegetais e por isso, precisam ser mais estudadas.

O CRISPR está em constante aperfeiçoamento

Essa característica do sistema CRISPR de ser programada ou construída utilizando diferentes tesouras não para por aqui. Essas proteínas que, a princípio, realizam corte no DNA podem ser combinadas com outras proteínas e apresentam diferentes funções de reconhecimento e edição genética.

Os sistemas CRISPRs ainda podem ser usados simultaneamente para realizar diferentes alterações no genoma de plantas. Dessa forma, foram desenvolvidas estratégias que ajudam os pesquisadores de muitas maneiras:

  • Reconhecer e marcar regiões de interesse no DNA ou RNA;
  • Realizar grandes deleções de sequências de interesse no genoma;
  • Realizar rastreamento de RNA in vivo;
  • Alterar atividade de genes, sem que haja edição de DNA;
  • Fazer detecção de patógenos e controle de doenças.

Essas inovações no sistema CRISPR permitiu que os cientistas passassem a realizar alterações nos reguladores de transcrição. Essa estratégia resulta em uma ampla gama de níveis de expressão (aumentando ou diminuindo) para um gene de interesse, permitindo a compreensão de possíveis funcionalidades e seleção de variações genéticas para um gene.

Outro grande avanço é a incorporação de “editores de bases de DNA” a diferentes tesouras do CRISPR. Os editores de bases são proteínas que realizam modificação irreversível de um nucleotídeo no DNA, sem que haja sua quebra. Esse mesmo sistema ainda não é bem compreendido em se tratando da edição de bases de RNA em plantas, mas diversos estudos estão em andamento.

CRISPR e suas possibilidades

A ferramenta CRISPR facilitará inúmeras aplicações em biologia vegetal. Por exemplo, a construção de uma biblioteca de sequências nucleotídicas adaptadas ao CRISPR permitirá avaliar um enorme número de genes, possibilitando descobrir suas funções e reguladores.

A construção de sistemas que combinam marcadores celulares com características de interesse permitirá selecionar células vegetais individuais. Com isso, poderemos visualizar genótipo e fenótipo logo no início do desenvolvimento, o que acelera o processo de melhoramento genético.

Outra possibilidade é a edição de genoma de organelas como mitocôndrias e cloroplastos. Tal abordagem não é nada simples mas, seria uma ótima opção para alterar vias metabólicas que podem resultar em melhor rendimento da planta.

Algoritmos estão sendo desenvolvidos para prever as probabilidades de edição no genoma de plantas para cada sistema CRISPR construído. Esse tipo de sistema ajudará os cientistas a otimizarem cada ferramenta e evitarem desperdícios de recursos, uma vez que esse processo irá aumentar as chances de acerto nas construções.

 

*Com informações da CropLife Brasil