Projeto pode gerar R$ 5 milhões a comunidades amazônicas com bioplástico feito a partir de resíduo da castanha-do-Brasil
O projeto apoiado pelo Fundo JBS pela Amazônia visa responder a um dos maiores desafios ambientais contemporâneos: o uso de plástico derivado do petróleo
Em uma colaboração inovadora entre comunidades amazônicas, empresas, ONGs e pesquisadores de universidades, o projeto Bioplástico tem como objetivo desenvolver e produzir, em escala de produção comercial, um tipo especial de plástico composto parcialmente por fibras do ouriço da castanha-do-Brasil.
Com o suporte financeiro do Fundo JBS pela Amazônia (FJBSA), o projeto visa responder a um dos maiores desafios ambientais contemporâneos: o uso de plástico derivado do petróleo. A iniciativa completa um ano de desenvolvimento e já contabiliza importantes marcos e aprendizados.
Como funciona o bioplástico?
A versão sustentável do polipropileno vem sendo elaborada a partir de matéria proveniente do ouriço da castanha, uma espécie de coco que armazena as amêndoas de castanha, considerado um resíduo ainda sem aproveitamento dentro da cadeia produtiva.
O material está sendo desenvolvido em parceria entre diferentes pesquisadores e poderá ser aplicado em uma ampla variedade de produtos, como protetores, embalagens, tampas, alças, recipientes, entre outros, atendendo às exigências técnicas e econômicas da indústria.
Além disso, o projeto insere-se na perspectiva da bioeconomia, priorizando a conservação dos biomas e o desenvolvimento socioeconômico das comunidades amazônicas envolvidas na coleta e preparação do material.
Estima-se a geração de R$ 4,8 milhões em renda para as comunidades envolvidas, dentro de um faturamento total de R$ 20 milhões nos três anos iniciais de comercialização, assim como uma redução significativa de mais de 300 toneladas de emissão de CO2 nesse período. Em uma estimativa conservadora, o novo plástico poderá substituir até 18% da produção de polipropileno convencional da TutiPlast, empresa parceira no projeto, já no 3o ano de sua chegada ao mercado.
Projeto
A iniciativa, liderada pela fundação World-Transforming Technologies (WTT), organização latino-americana focada em inovações tecnológicas de impacto socioambiental, iniciou em 2022 com o trabalho de campo, pesquisa e articulação entre organizações.
Através do suporte financeiro do Fundo JBS pela Amazônia e do Programa Prioritário em Bioeconomia (PPBIO), política pública da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), coordenada pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), o projeto apresenta um arranjo financeiro e de execução inovador.
Enquanto o Idesam dedicou-se a mapear a cadeia produtiva adequada para a produção do bioplástico, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) esteve focada na pesquisa e desenvolvimento das formulações do bioplástico, de modo a garantir que ele atenda às demandas técnicas e econômicas da indústria.
“Foi na cadeia produtiva da castanha que identificamos uma maior segurança de produção, de sustentabilidade ambiental e de retorno para as comunidades. Encontrar uma cadeia com essas características foi um desafio, porém foi gratificante porque a gente sabe que ela vai funcionar e vai trazer retorno para as comunidades ribeirinhas que já trabalham com castanha”, explica Marcus Biazatti, coordenador técnico do Idesam, que ressaltou também o potencial de uso do ouriço — um produto amazônico ainda subutilizado.
Cinco comunidades do município de Lábrea estão envolvidas nessa etapa inicial de coleta e beneficiamento, havendo mais de 30 interessadas em integrar o projeto.
No âmbito da pesquisa científica, os pesquisadores da UEA atuam no laboratório da Escola Superior de Tecnologia (EST) com uma equipe de docentes da universidade, bolsistas, voluntários e professores de outras instituições.
O processo envolve a trituração e moagem do material para que, em seguida, possam ser feitos os testes experimentais com o objetivo de encontrar a quantidade exata de material que irá substituir ou reforçar o polímero.
“Ao reduzirmos o consumo do plástico comum, estamos pensando na sustentabilidade. Esse projeto é interessante pelo fato de estarmos unindo quatro vertentes nesse esforço: a academia, o governo, a indústria e a comunidade. É um exemplo claro do conceito da hélice quadrupla de inovação”, explica o professor do curso de Engenharia de Materiais da UEA e coordenador de pesquisa do projeto, Prof. Roger Bello.
O projeto também conta com a participação da professora Michele Rigon Spier, pesquisadora da Universidade Federal do Paraná, e do professor Pedro Campelo, da Universidade Federal de Viçosa. A equipe foi reunida de forma a garantir a complementaridade de expertises.
“É nessa colaboração entre cientistas extraordinários, comunidades e indústria que está a mágica do projeto. São pessoas com capacidades e atribuições complementares, unidas por um objetivo compartilhado: gerar impacto positivo para os povos da Amazônia e para o meio-ambiente”, explica Andre Wongtschowski, Diretor de Inovação da WTT.
No cenário da indústria, o projeto estabeleceu desde seu princípio uma parceria estratégica e operacional para a produção em escala comercial do bioplástico com a TutiPlast, empresa localizada no Polo Industrial de Manaus e que há 25 anos atua em soluções de injeção plástica.
Bioeconomia
Ao celebrar o primeiro ano de desenvolvimento, o projeto comemora conquistas de colaboração institucional e comunitária, além de agregar valiosos aprendizados e resultados obtidos ao longo desse período de pesquisa.
Essa iniciativa pioneira evidencia o potencial da colaboração entre diferentes setores para impulsionar a bioeconomia na região amazônica, destacando a importância de estruturar equipes científicas e cooperações institucionais orientadas para responder a grandes desafios socioambientais.
“O desenvolvimento de pesquisas disruptivas voltadas para bioprodutos valoriza a sociobiodiversidade da Amazônia, gera valor para negócios comunitários da floresta em pé e leva a matéria-prima local para a indústria em escala. Isso é fundamental para a geração de renda local e inclusão social”, destaca Joanita Karoleski, presidente do Fundo JBS pela Amazônia.
Futuro
Os próximos passos do projeto de bioplástico envolvem a instalação de maquinário e a consolidação do galpão para o processamento inicial do ouriço em uma associação de produtores agroextrativistas no município de Lábrea, assim como a validação da logística de transporte para Manaus.
No âmbito das pesquisas científicas, as etapas de tratamento químico superficial do ouriço, que envolvem o processo de branqueamento da fibra, e as análises microscópicas de grânulos, caminham para a reta final.
Os pesquisadores destacam que os testes para a produção do biocompósito total apresentam bons resultados.
“O biocompósito totalmente biodegradável é classificado assim devido à origem natural de sua matriz polimérica e de seu reforço, sendo biodegradável ao meio ambiente por microrganismos, enquanto o biocompósito parcial ainda tem a matriz derivada do petróleo”, explica o professor Roger Bello. Por fim, no que tange à indústria, está prevista a aquisição de equipamentos e adaptações fabris para testes e, posteriormente, produção em escala industrial do bioplástico. A previsão é de conclusão do projeto no início de 2024.