
A Comissão Europeia divulgou recentemente a primeira lista de classificação de risco para desmatamento, que deve nortear a aplicação da nova lei europeia contra o desmatamento. O Brasil foi incluído na categoria de risco padrão, ao lado de países como Indonésia, Malásia, México e Argentina. Essa avaliação é um marco importante e um passo decisivo para a entrada em vigor da norma que começa a valer no dia 30 de dezembro.
Mas afinal, o que essa classificação representa na prática? O que muda para o Brasil e para o setor produtivo do país? Para responder essas perguntas, conversamos com o especialista Leonardo Munhóz, que detalha o funcionamento do sistema e suas consequências.
O que é o benchmark de risco da União Europeia?
A União Europeia estabeleceu três categorias de risco relacionadas ao desmatamento: risco baixo, risco padrão (standard) e risco alto. Essa categorização define o grau de rigor na fiscalização dos produtos que entram no mercado europeu e precisam comprovar que são livres de desmatamento ilegal ou conversão de áreas naturais após 2020.
Leonardo explica: “Para países classificados em risco baixo, a fiscalização será feita em apenas 1% das diligências enviadas às autoridades europeias. Já para os países de risco padrão, essa amostragem sobe para 3%. E nos de risco alto, chega a 9%.” Ou seja, quanto maior o risco, mais rigorosa será a fiscalização.
Além disso, os critérios ambientais também variam conforme o risco. No risco baixo, os critérios são menos exigentes; no risco padrão, são aplicados os critérios completos da norma, que consideram o histórico de crimes ambientais, infrações administrativas e a presença de comunidades indígenas.
Por que o Brasil está na categoria de risco padrão?
O Brasil, junto com países da África e do Sudeste Asiático que ainda possuem florestas tropicais, foi classificado como risco padrão. Segundo Leonardo, “essa norma é injusta sob um ponto de vista histórico, pois países que já devastaram grande parte de seu território, como Estados Unidos, Canadá e países europeus, estão na categoria de risco baixo, pois não possuem mais florestas nativas que possam ser desmatadas ilegalmente.”
Ele destaca que o fato de o Brasil ainda manter grandes áreas de floresta nativa é o principal motivo para essa classificação. “O Brasil sofre com desmatamento ilegal em algumas regiões, e isso justifica a categoria padrão”, afirma.
O que muda para o Brasil e o agronegócio?
A classificação em risco padrão implica que o Brasil terá uma fiscalização mais intensa. Produtos que entram no mercado europeu precisarão comprovar sua origem legal, com rastreabilidade e atendimento aos critérios ambientais estabelecidos pela lei.
Leonardo ressalta que, apesar dos desafios, há aspectos positivos. “O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um instrumento fundamental para o Brasil se destacar entre os concorrentes, como Indonésia, e pode ajudar a reduzir o impacto da classificação”, diz.
A norma prevê ainda que a União Europeia poderá reavaliar periodicamente essa classificação, o que abre espaço para o Brasil melhorar seu status no futuro, caso controle efetivamente o desmatamento ilegal.
De onde vêm os dados que sustentam essa classificação?
A base para o benchmark europeu foi o documento chamado F-Stat, publicado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), órgão da ONU responsável por dados globais do setor agrícola. Esse relatório traz dados atualizados a cada cinco anos sobre sustentabilidade na agricultura.
Para o Brasil, foram considerados dados do sistema PRODES e do monitoramento DETER, que registram o desmatamento legal e ilegal. No entanto, há uma defasagem temporal, pois a última edição do F-Stat usada pela União Europeia é de 2020, o que significa um atraso de quase cinco anos.
Leonardo reforça: “Se o Brasil conseguir controlar melhor o desmatamento ilegal e apresentar dados atualizados, tem chance real de melhorar seu risco na próxima avaliação.”
Questões legais e comerciais
Muitos se perguntam se essa classificação pode ser considerada uma barreira comercial ou até mesmo ilegal perante a Organização Mundial do Comércio (OMC). Por enquanto, a aplicação baseada em dados internacionais e critérios claros dificulta ações contra a União Europeia.
No entanto, o especialista alerta que a clareza dos critérios ambientais e o detalhamento das normas serão decisivos para evitar futuras disputas. “Com as regras da OMC fragilizadas, especialmente com a paralisação do órgão de apelação, é possível que disputas comerciais sejam levadas a outras plataformas ou resolvidas politicamente”, explica.
Desafios e oportunidades
A entrada em vigor da nova lei europeia contra o desmatamento traz desafios e oportunidades para o Brasil. A classificação em risco padrão reflete a necessidade urgente de controlar o desmatamento ilegal, garantir transparência e melhorar os mecanismos de rastreabilidade.
Como destaca Leonardo Munhóz, “a norma cria uma pressão para que o Brasil evolua na proteção ambiental, mas também abre caminho para que o país demonstre que produz de forma sustentável e responsável, destacando-se no cenário global.”
A expectativa é que, com a colaboração entre governos, setor produtivo e sociedade civil, o Brasil possa aprimorar suas práticas e, nas próximas avaliações, conquistar uma classificação mais favorável, facilitando o acesso ao mercado europeu e fortalecendo sua imagem internacional.