Cooptação gênica
Através dessa cooptação foi possível acompanhar a evolução das espécies
A cooptação ocorre quando a seleção natural encontra novos usos para genes, órgãos e outras estruturas corporais. Os genes podem ser cooptados para gerar novos eventos fisiológicos e de desenvolvimento, alterando os seus padrões de regulação, as funções das proteínas que codificam, ou ambos.
A cooptação de genes é um mecanismo importante, que auxilia a evolução das espécies. Na maioria dos casos descritos até o momento, novas características surgiram pela cooptação de um único gene ou de uma rede genética.
A seguir exporemos um exemplo de como a integração de múltiplos elementos genéticos cooptados facilitou a rápida evolução de manchas complexas de pétalas, na margarida sul-africana Gorteria diffusa Thunb., que imitam polinizadores fêmeas de mosca-abelha (Megapalpus capensis Wiedeman), facilitando a polinização da flor da margarida. Esse comportamento da planta é chamado de “engano sexual”, por induzir polinizadores machos a visitar a flor pela semelhança com as fêmeas.
Estudos iniciais
Todo o estudo foi conduzido pela equipe do prof. Roman Kellemberger, da Universidade de Cambridge. Os estudos pioneiros permitiram identificar três componentes de manchas de pétalas envolvidos no “engano sexual” para atrair polinizadores, quais sejam.
1) formação de um pigmento verde-escuro, ao redor de pontos brancos, que refletem a luz ultravioleta, imitando o exoesqueleto de M. capensis
2) surgimento de manchas de tricomas papilares multicelulares, tridimensionais, de cor preta, dispostos em locais variáveis, que elicitam respostas de cópula dos machos pousando nas manchas
3) cessação do desenvolvimento de manchas de pétalas, transformando os anéis guiadores de néctar em manchas isoladas imitando M. capensis em repouso.
Embora todos os morfotipos da margarida produzam pigmentos de mancha verde-preta, aqueles “não enganosos” sempre possuem manchas anelares não papiladas (planas) e as manchas de formas intermediárias sempre carecem de papilas ou de isolamento de manchas. Já as manchas de morfotipos altamente enganosos são sempre papiladas e isoladas.
Com base nesses estudos, os cientistas propuseram a hipótese de que a rápida evolução do engano sexual em G. diffusa, para atrair seu polinizador, foi impulsionada por cooptações independentes de elementos genéticos que afetam a pigmentação, a estrutura celular e a organização espacial de manchas de pétalas pré-existentes.
Evolução em três eventos
Seguindo a hipótese aventada, os cientistas elucidaram a sequência natural de eventos ao longo da coevolução da planta com o polinizador
1) cooptação dos genes da homeostase do ferro, que alterou a pigmentação das manchas das pétalas, produzindo uma cor semelhante às dos polinizadores femininos
2) cooptação do gene GdEXPA7, originalmente envolvido no desenvolvimento de raízes fasciculadas, que permitiu a formação de células epidérmicas de pétalas papiladas aumentadas, provocando respostas de cópula em moscas machos
3) cooptação do módulo do fator de transcrição miR156-GdSPL1, alterando o posicionamento das manchas das pétalas, resultando em melhor mimetismo das moscas fêmeas, quando em descanso sobre a flor.
Os três elementos genéticos foram provavelmente cooptados sequencialmente, e a força do “engano sexual” em diferentes formas florais de G. diffusa correlaciona-se fortemente com a presença das três alterações morfológicas correspondentes. As descobertas sugerem que as cooptações genéticas podem ser combinadas de forma modular, permitindo a rápida evolução de novas características complexas.
Humanos não fariam melhor!
O exemplo singelo explanado acima mostra a plêiade de ferramentas que a Natureza dispõe para moldar a fascinante multiplicidade que compõe a biodiversidade, como forma de sempre dispor de arranjos genéticos que confiram vantagens comparativas a uma ou mais espécies, na superveniência de fatores adversos, que afetem a capacidade de sobrevivencia e reprodução das espécies.
Via-de-regra nós, humanos, mormente os cientistas, nos debruçamos sobre essas ferramentas, inspirando-nos para emular mecanismos que nos permitam acelerar o curso da Natureza, criando novos alimentos, protegendo plantas de pragas ou outros estresses bióticos e abióticos, melhorando nossa qualidade de vida.
Por Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa, membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica