Entenda porquê o Brasil fez a maior e pior reforma agrária do mundo

Em uma entrevista reveladora, o especialista Xico Graziano discute o impacto da reforma agrária no Brasil, expondo dados que mostram a baixa produtividade dos assentamentos e sugerindo a titulação de terras como solução para o desenvolvimento rural.

A reforma agrária no Brasil é um tema que gera debates há décadas. Defendida por muitos como uma solução para a redistribuição de terras e a diminuição das desigualdades no campo, ela também é alvo de críticas, especialmente em relação à sua eficácia. Em uma entrevista recente para o Planeta Campo Talks, o agrônomo e ex-presidente do INCRA, Xico Graziano, trouxe à tona uma análise profunda e preocupante sobre a realidade dos projetos de assentamento no país.

Graziano, que possui décadas de experiência no setor agrário e ocupou cargos públicos de destaque, revelou dados alarmantes: o Brasil já distribuiu mais de 85 milhões de hectares em projetos de reforma agrária, uma área superior à totalidade das terras cultivadas no país, que somam cerca de 70 milhões de hectares. Apesar dessa imensa distribuição, a produtividade das áreas assentadas é decepcionante. “Infelizmente, a produção que vem desses 85 milhões de hectares é muito pequena. A reforma agrária, da forma como foi conduzida no Brasil, acabou se tornando a maior e também a pior do mundo”, afirmou o especialista.

A Crise de Produtividade nos Assentamentos Rurais

Uma das principais críticas de Graziano à reforma agrária no Brasil é a baixa produtividade das terras distribuídas. Segundo ele, os assentamentos rurais deveriam ser uma oportunidade para gerar riqueza, aumentar a produção de alimentos e promover o desenvolvimento econômico nas regiões mais pobres. Contudo, na prática, isso não aconteceu.

Muitos assentados enfrentam dificuldades para produzir em suas terras, seja pela falta de infraestrutura, assistência técnica ou acesso a crédito. “Esses agricultores acabam ficando dependentes do poder público para sobreviver. Em vez de promover o desenvolvimento, a reforma agrária criou uma categoria de agricultores pobres e dependentes”, explicou Graziano. Ele apontou que, em muitos assentamentos, as terras são arrendadas ou vendidas de forma informal, o que perpetua a falta de produtividade e o uso ineficiente da terra.

Além disso, o especialista destacou que grande parte das áreas assentadas estão localizadas em regiões distantes dos principais mercados consumidores, o que dificulta ainda mais a comercialização da produção e o acesso a insumos essenciais para a agricultura. “Muitas vezes, esses assentados não têm como escoar seus produtos ou sequer conseguem financiamento para investir em tecnologia. Isso compromete completamente a função social da terra”, completou.

A Titulação das Terras como Solução

Para Xico Graziano, a solução para a crise da reforma agrária passa pela titulação definitiva das terras distribuídas. Ele defende que os assentados recebam títulos de propriedade, garantindo, assim, o direito à terra e a possibilidade de obter financiamento e investir em suas propriedades. “Hoje, esses assentados vivem em um limbo. Eles possuem a terra, mas não têm a segurança jurídica necessária para investir nela e prosperar”, argumentou.

A titulação não apenas fortaleceria a segurança jurídica no campo, mas também incentivaria o desenvolvimento econômico, ao permitir que os pequenos produtores familiares tivessem acesso a programas de crédito agrícola, como o Pronaf. “Dar o título de propriedade para esses agricultores seria um passo importante para torná-los independentes do governo e permitir que eles trilhem seus próprios caminhos, como milhões de agricultores familiares que já têm suas propriedades tituladas fazem há décadas”, afirmou.

A Política de Invasões de Terra e o MST

Outro ponto polêmico abordado por Graziano foi a questão das invasões de terra promovidas por movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O especialista foi claro ao afirmar que as invasões de terras, em muitos casos, não resolvem o problema da reforma agrária e acabam prejudicando o desenvolvimento do campo. “As invasões, muitas vezes, afugentam investimentos e criam um clima de insegurança no campo. Isso só agrava a situação”, declarou.

Graziano foi convidado recentemente para participar de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados para discutir o tema das invasões de terras. Ele aproveitou a ocasião para apresentar os dados sobre a distribuição de terras no Brasil, mostrando que, embora a reforma agrária já tenha atingido números expressivos, sua implementação está longe de ser eficiente.

“Nós precisamos parar com essa ideia de que a solução para o problema fundiário no Brasil é mais reforma agrária. O que precisamos é reformar o que já foi feito. É um absurdo continuar incentivando invasões de terra quando não conseguimos fazer funcionar os assentamentos que já existem”, criticou.

A Função Social da Terra e o Futuro da Reforma Agrária

Um dos argumentos utilizados pelos defensores das invasões de terra é o conceito de função social da terra, que, segundo a Constituição brasileira, deve ser cumprido por qualquer propriedade rural. Isso significa que as terras devem ser produtivas e contribuir para o bem-estar da sociedade. Contudo, Xico Graziano argumenta que muitos assentamentos não conseguem cumprir essa função, o que coloca em xeque a própria justificativa para a reforma agrária.

“O objetivo da reforma agrária é justamente dar uma função social às terras, mas se os assentados não conseguem produzir e essas áreas se tornam improdutivas, o próprio conceito de função social está sendo desrespeitado”, explicou o especialista. Ele sugeriu que, além da titulação das terras, o governo deveria investir mais em infraestrutura e assistência técnica para os assentados, a fim de garantir que eles possam desenvolver suas atividades agrícolas de forma eficiente.

O Agronegócio e a Reforma Agrária: Um Caminho para o Desenvolvimento Sustentável

Durante a entrevista, Graziano também ressaltou a importância do agronegócio no Brasil e como o setor pode ser uma peça-chave para o desenvolvimento sustentável. Ele destacou que a agricultura familiar, que muitas vezes é colocada em oposição ao agronegócio, também faz parte desse setor, e que pequenos e médios agricultores familiares têm desempenhado um papel crucial na produção de alimentos no país.

“É um mito dizer que apenas o agronegócio exporta e que a agricultura familiar é responsável por alimentar o Brasil. Hoje, a agricultura familiar está inserida no agronegócio e participa diretamente da cadeia produtiva. Pequenos e médios produtores familiares são responsáveis por uma parte significativa da produção de alimentos e de commodities no Brasil”, afirmou Graziano.

Para ele, é fundamental desmistificar essa oposição entre a agricultura familiar e o agronegócio, e buscar políticas que integrem e fortaleçam ambos os setores. “O futuro do campo brasileiro depende de um agronegócio forte e sustentável, mas também de uma agricultura familiar produtiva e bem assistida”, concluiu.

A reforma agrária no Brasil é um tema complexo e repleto de desafios. Como destacou Xico Graziano em sua entrevista, o país precisa urgentemente reformar o sistema atual e buscar soluções que permitam aos assentados prosperar de forma independente. A titulação de terras, o investimento em infraestrutura e a integração com o agronegócio são algumas das propostas que podem transformar o campo brasileiro e promover um desenvolvimento mais justo e sustentável.